São Paulo, quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

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OPINIÃO

Patoá a caminho do nada

RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Eu upo, tu upas, ele upa; nós upamos, vós upais, eles upam.
Acabo de conjugar o novíssimo verbo upar -tão novo que talvez nem você o conheça. E, se não conhece, saiba que significa o mesmo que uploadear. O qual, depois de experimentado por uns tempos, foi condenado à morte por ser um destronca-línguas: eu uploadeio, tu uploadais, ele uploadeia; nós uploadeamos, vós uploadeias, eles uploadeiam. Nem os nerds conseguem conjugá-lo.
Tudo isso quer dizer apenas o nosso conhecido "fazer upload", ou "subir", ambos sendo usados há tanto tempo que já estão pedindo para sair. Bem, você sabe como é a língua: na sua necessidade diária de renovação, apodera-se de tudo que lhe passa pela frente -subjuga as palavras aos sentidos que lhe convêm, transforma substantivos em verbos, pinta os canecos e vida que segue. Nós que nos viremos para acompanhá-la.
É assim, por exemplo, que verbos como deletar, clicar, escanear, linkar e printar já saem com tanta naturalidade das bocas mais insuspeitas que não será surpresa se aparecerem nas próximas encarnações do Aurélio e do Houaiss. Não importa que, pelos últimos 500 anos, apagar, ligar, copiar, conectar e imprimir, respectivamente, tenham quebrado perfeitamente o galho.
Mas a língua não quer nem saber -alguém inventa um modismo e ela vai atrás. Hoje em dia, por exemplo, se o time adversário vai cobrar uma falta, os jogadores já não se colocam na barreira -posicionam-se. Ninguém mais ganha um novo amigo -adiciona-o. E nenhum computador é posto para funcionar -é inicializado. As pessoas já falam essas coisas sem pensar -e sem rir.
Admito que dizer touch- screen seja mais rápido e direto do que "tela sensível ao toque" -se você estiver com pressa. Mas que asneira é essa de chamar de cooler (ou fan) o velho ventilador ou ventoinha que evita o supe- raquecimento da caranguejola? E por aí vai. Temo que, em vez de criar uma nova língua, estejamos apenas dispensando a que temos. Esse patoá que, por jequice, cafonice ou macaquice, tem sido usado por aí nunca será inglês -e já está deixando de ser português.
Ah, sim, "tablet". É como batizamos aqui o aparelhinho do iPad -imagine se iríamos chamá-lo de tabuinha, tabuleta ou mesmo tablete, embora seja tudo uma coisa só: uma pequena tábua (à qual aplicamos uma folha ou um bloco de papel) para escrever coisas. Todos vêm do latim "tabula" -tábua, mesa-, que também gerou tabela, tabelião, tablado, tabuada, tabuleiro, távola, e verbos como tabelar, tabular, entabular.
E só agora me ocorre o substituto ideal para "tablet": prancheta. Pode ser eletrônica e cheia de nove-horas, mas, no fundo, não passa disso: uma prancheta. Sorry, folks.


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