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JÓIA DA BOÊMIA
A riqueza das construções e dos objetos se opõe à memória do massacre promovido pela guerra; tradições judaicas são apresentadas aos visitantes
Museu judaico intercala coisas belas e sofridas
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PRAGA
De roupas escuras e barbas
compridas, soturnos, com o Torá
nas mãos, eles lamentam e assumem uma postura de reverência
diante da morte. A cena de judeus
em rituais fúnebres é representada em diversos quadros de pintores anônimos do século 19 espalhados pela Sala de Cerimônias da
Sociedade Funerária, uma das
construções que fazem parte do
chamado Museu Judeu, localizado no bairro Josefov.
O museu possui ainda sinagogas (Maisel, Pinkas, Klaus e Espanhola), um antigo cemitério e um
centro cultural. Visitar essa região
é, de certo modo, reviver muito de
perto a trajetória dos judeus que
viveram nas regiões de Boêmia e
Morávia: são mais de 40 mil peças
e cem mil livros, que formam assim um dos maiores acervos da
Europa sobre a cultura judaica.
Além dos diversos quadros, há
no interior do prédio da sala de
cerimônias livros contando a história da formação da Prague Burial Society (Sociedade Funerária
de Praga), cujo primeiro estatuto
consta de 1564 e que organizava
os rituais fúnebres e tinha um papel social (e até político) na comunidade, e instrumentos utilizados
para a higienização do cadáver
antes de ser enterrado.
Tradições
Colado à casa de cerimônias está o Velho Cemitério judeu. Fundado na primeira metade do século 15, possui 12 mil lápides em
estilos gótico, renascentista e barroco. No mesmo terreno do cemitério fica a sinagoga Klaus, onde
uma exposição faz o viajante conhecer detalhadamente as tradições judaicas.
Há roupas de recém-nascidos,
os presentes oferecidos e berços;
uma cadeira para circuncisão, de
1805, de madeira e com desenhos
que ilustram esse rito de passagem judaico; roupas de casamentos e sapatos típicos das cerimônias de divórcios; tapetes, mantos
e rolos do Torá; utensílios domésticos, taças e talheres (muitos em
prata, trabalhados, com desenhos
e inscrições): ali, tudo leva o visitante a ver de perto o cotidiano
dessa comunidade.
Retorno ao nazismo
O Velho Cemitério, que parou
de funcionar em 1787 e é um dos
mais importantes sítios sobreviventes da face judaica de Praga,
não possui em suas terras vítimas
do nazismo.
Mas caminhar pelo Museu Judeu inevitavelmente faz o viajante
rememorar a ocupação nazista
em Praga de uma forma pungente. Talvez o que mais impressione
-e comova- seja ver a exposição "Desenhos das Crianças de
Terezín 1942-1944", na sinagoga
Pinkas. Flores, mariposas, borboletas, paisagens com montanhas
são mais presentes do que bombas e canhões, o que parece atormentar ainda mais o visitante,
pois refletem uma inocente esperança infantil teimando em existir
no meio do massacre. Das 8.000
crianças enviadas para o gueto de
Terezín, sobreviveram à guerra
apenas cerca de 240 delas. Na
mesma sinagoga, 80 mil nomes de
judeus tchecos e moravos que
morreram durante o nazismo estão grafados nas paredes, ao lado
dos nomes das comunidades às
quais pertenciam.
Na sinagoga Espanhola, beleza e
terror misturam-se e geram uma
sensação no mínimo incômoda.
Nos vitrais predomina o vermelho, e, quando o sol os atravessa e
atinge as paredes e as colunas todas talhadas e desenhadas em
motivos orientais, surge um jogo
de luzes, cores e formas que deixa
o espectador boquiaberto. Mas o
sol também ilumina os livros dos
escritores judeus mortos durante
a guerra, a lista dos mil judeus que
foram exilados no gueto de Lodz e
as gravuras sombrias dos desenhistas. Essa sinagoga resume, de
certo modo, o sentimento que
acomete o viajante quando percorre o Museu Judeu: a admiração de edifícios belos e portentosos que, no fundo, abrigam uma
história de sofrimento e humilhação. Difícil não sair dali e ficar estático por um tempo, refletindo.
(ANTONIO ARRUDA)
Museu Judeu - Siroká, 3. Funciona diariamente, exceto aos sábados e nos feriados judaicos. Das 9h às 16h30 (de novembro a março) e das 9h às 18h (de abril
a outubro). O ingresso custa Kc 300 (R$
35) e dá direito ao visitante conhecer
quatro sinagogas, a sala de cerimônias e
o antigo cemitério judeu; www.jewishmuseum.cz
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