São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2005

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JÓIA DA BOÊMIA

A riqueza das construções e dos objetos se opõe à memória do massacre promovido pela guerra; tradições judaicas são apresentadas aos visitantes

Museu judaico intercala coisas belas e sofridas

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PRAGA

De roupas escuras e barbas compridas, soturnos, com o Torá nas mãos, eles lamentam e assumem uma postura de reverência diante da morte. A cena de judeus em rituais fúnebres é representada em diversos quadros de pintores anônimos do século 19 espalhados pela Sala de Cerimônias da Sociedade Funerária, uma das construções que fazem parte do chamado Museu Judeu, localizado no bairro Josefov.
O museu possui ainda sinagogas (Maisel, Pinkas, Klaus e Espanhola), um antigo cemitério e um centro cultural. Visitar essa região é, de certo modo, reviver muito de perto a trajetória dos judeus que viveram nas regiões de Boêmia e Morávia: são mais de 40 mil peças e cem mil livros, que formam assim um dos maiores acervos da Europa sobre a cultura judaica.
Além dos diversos quadros, há no interior do prédio da sala de cerimônias livros contando a história da formação da Prague Burial Society (Sociedade Funerária de Praga), cujo primeiro estatuto consta de 1564 e que organizava os rituais fúnebres e tinha um papel social (e até político) na comunidade, e instrumentos utilizados para a higienização do cadáver antes de ser enterrado.

Tradições
Colado à casa de cerimônias está o Velho Cemitério judeu. Fundado na primeira metade do século 15, possui 12 mil lápides em estilos gótico, renascentista e barroco. No mesmo terreno do cemitério fica a sinagoga Klaus, onde uma exposição faz o viajante conhecer detalhadamente as tradições judaicas.
Há roupas de recém-nascidos, os presentes oferecidos e berços; uma cadeira para circuncisão, de 1805, de madeira e com desenhos que ilustram esse rito de passagem judaico; roupas de casamentos e sapatos típicos das cerimônias de divórcios; tapetes, mantos e rolos do Torá; utensílios domésticos, taças e talheres (muitos em prata, trabalhados, com desenhos e inscrições): ali, tudo leva o visitante a ver de perto o cotidiano dessa comunidade.

Retorno ao nazismo
O Velho Cemitério, que parou de funcionar em 1787 e é um dos mais importantes sítios sobreviventes da face judaica de Praga, não possui em suas terras vítimas do nazismo.
Mas caminhar pelo Museu Judeu inevitavelmente faz o viajante rememorar a ocupação nazista em Praga de uma forma pungente. Talvez o que mais impressione -e comova- seja ver a exposição "Desenhos das Crianças de Terezín 1942-1944", na sinagoga Pinkas. Flores, mariposas, borboletas, paisagens com montanhas são mais presentes do que bombas e canhões, o que parece atormentar ainda mais o visitante, pois refletem uma inocente esperança infantil teimando em existir no meio do massacre. Das 8.000 crianças enviadas para o gueto de Terezín, sobreviveram à guerra apenas cerca de 240 delas. Na mesma sinagoga, 80 mil nomes de judeus tchecos e moravos que morreram durante o nazismo estão grafados nas paredes, ao lado dos nomes das comunidades às quais pertenciam.
Na sinagoga Espanhola, beleza e terror misturam-se e geram uma sensação no mínimo incômoda. Nos vitrais predomina o vermelho, e, quando o sol os atravessa e atinge as paredes e as colunas todas talhadas e desenhadas em motivos orientais, surge um jogo de luzes, cores e formas que deixa o espectador boquiaberto. Mas o sol também ilumina os livros dos escritores judeus mortos durante a guerra, a lista dos mil judeus que foram exilados no gueto de Lodz e as gravuras sombrias dos desenhistas. Essa sinagoga resume, de certo modo, o sentimento que acomete o viajante quando percorre o Museu Judeu: a admiração de edifícios belos e portentosos que, no fundo, abrigam uma história de sofrimento e humilhação. Difícil não sair dali e ficar estático por um tempo, refletindo.
(ANTONIO ARRUDA)


Museu Judeu - Siroká, 3. Funciona diariamente, exceto aos sábados e nos feriados judaicos. Das 9h às 16h30 (de novembro a março) e das 9h às 18h (de abril a outubro). O ingresso custa Kc 300 (R$ 35) e dá direito ao visitante conhecer quatro sinagogas, a sala de cerimônias e o antigo cemitério judeu; www.jewishmuseum.cz

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