São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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Foco

"O tempo fechou, e a chuva virou tormenta; estávamos à deriva"

Tempestade durante viagem à ilha faz com que travessia a partir de Angra dos Reis leve uma hora a mais

DO ENVIADO ESPECIAL A ILHA GRANDE

A travessia de Angra dos Reis a Ilha Grande pode não ser uma experiência tranqüila. O barco atracado no cais de Angra partiria às 14h30. Com o dia chuvoso, mesmo amarrado, o barco se movimentada de forma agitada. As cordas rangiam como se fossem barítonos afoitos.
Os moradores da ilha chegavam para o embarque. A vida dos ilhéus tem um lado duro. Como não vão diariamente para o continente, brigam para embarcar sacos e sacolas, caixas e caixotes, com verduras e materiais de limpeza, engradados de bebidas e caixas de repelentes cujo destino é a venda pelo dobro do preço a turistas ilhados. O espaço já parecia todo preenchido quando carregaram 12 colchões e dezenas de embalagens de papel higiênico.
A chuva apertou, a sirene tocou, e o barco partiu. Não sem antes mais uma senhora embarcar, com pacotes dentro de um carrinho de bebê. A criança, ela carregava no colo.
Nos primeiros 15 minutos tudo foi bem. Um casal de holandeses ofereceu biscoitos a todos, moradores da ilha mostraram simpatia com os turistas.
O tempo fechou, e a chuva, que era amena, virou tormenta. Já não se via mais a costa. E logo não daria para ver nem um palmo diante do nariz.
As ondas cresceram e, na primeira onda grande, quem estava de pé caiu. O pânico se instalou a bordo pelos 30 minutos seguintes.
Procurei com os olhos a tripulação. No timão, o senhor com cara de marujo tentava driblar as ondas. O assistente sumiu. Lembrei-me dos coletes salva-vidas. Estavam distantes. Pedi a um rapaz que me jogasse um. Três mulheres gritavam e rezavam.
Pedi o colete de novo e ouvi um absurdo vindo de um morador da ilha: se eu o vestisse, poderia aumentar o pânico. Não hesitei e, com a ajuda de outros turistas, desamarrei os coletes aos solavancos.
Alguém ligou para a Defesa Civil. E eu para os bombeiros. Um bombeiro me orienta para me certificar que todos estão usando coletes e sugere que a calma seja mantida. E eu, que esperava que o resgate viria de lancha, helicópteros, caças F-15, liguei mais três vezes. Nada.
Uma inquietação se impõe. Noto que a tripulação perdeu o rumo. Nos momentos mais críticos, o comandante desligava o motor. Com o silêncio, vinha a sensação de abandono. Estávamos à deriva.
O casal holandês estava tão abraçado que parecia um só ser. Uma moradora da ilha, a primeira a entrar em pânico, já não conseguia segurar a filha de dois anos. Foi amparada por uma colega. Uma senhora continuava suas rezas. Eu eu seguia colado ao banco, na popa, onde não havia mais ninguém, pois era a área mais molhada.
E, assim como veio a primeira grande onda, veio a última. E o mar voltou a seu agito natural de um dia chuvoso.
A viagem que duraria 1h30min levou 2h30min. Nem por isso esquecemos a salva de palmas ao desembarcar no cais da vila Abraão, na Ilha Grande.
No relatório oficial feito à Marinha, o comandante afirmou que a travessia teve pontos críticos em função do mau tempo, mas que a viagem estava segura e, aos seus cuidados, sob controle. Assegurou que a chuva e ventos obrigaram a um desvio consciente de rota.
Como a idéia da viagem era sair da rotina, esse deve ter sido um bom começo. (FABIO MARRA)


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