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Foco
"O tempo fechou, e a chuva virou tormenta; estávamos à deriva"
Tempestade durante viagem à ilha faz com que travessia a partir de Angra dos Reis leve uma hora a mais
DO ENVIADO ESPECIAL A ILHA GRANDE
A travessia de Angra dos
Reis a Ilha Grande pode não
ser uma experiência tranqüila. O barco atracado no cais de
Angra partiria às 14h30. Com
o dia chuvoso, mesmo amarrado, o barco se movimentada de forma agitada. As cordas rangiam como se fossem
barítonos afoitos.
Os moradores da ilha chegavam para o embarque. A vida dos ilhéus tem um lado duro. Como não vão diariamente para o continente, brigam
para embarcar sacos e sacolas, caixas e caixotes, com verduras e materiais de limpeza,
engradados de bebidas e caixas de repelentes cujo destino
é a venda pelo dobro do preço
a turistas ilhados. O espaço já
parecia todo preenchido
quando carregaram 12 colchões e dezenas de embalagens de papel higiênico.
A chuva apertou, a sirene
tocou, e o barco partiu. Não
sem antes mais uma senhora
embarcar, com pacotes dentro de um carrinho de bebê. A
criança, ela carregava no colo.
Nos primeiros 15 minutos
tudo foi bem. Um casal de holandeses ofereceu biscoitos a
todos, moradores da ilha
mostraram simpatia com os
turistas.
O tempo fechou, e a chuva,
que era amena, virou tormenta. Já não se via mais a costa.
E logo não daria para ver nem
um palmo diante do nariz.
As ondas cresceram e, na
primeira onda grande, quem
estava de pé caiu. O pânico se
instalou a bordo pelos 30 minutos seguintes.
Procurei com os olhos a tripulação. No timão, o senhor
com cara de marujo tentava
driblar as ondas. O assistente
sumiu. Lembrei-me dos coletes salva-vidas. Estavam distantes. Pedi a um rapaz que
me jogasse um. Três mulheres gritavam e rezavam.
Pedi o colete de novo e ouvi
um absurdo vindo de um morador da ilha: se eu o vestisse,
poderia aumentar o pânico.
Não hesitei e, com a ajuda de
outros turistas, desamarrei os
coletes aos solavancos.
Alguém ligou para a Defesa
Civil. E eu para os bombeiros.
Um bombeiro me orienta para me certificar que todos estão usando coletes e sugere
que a calma seja mantida. E
eu, que esperava que o resgate
viria de lancha, helicópteros,
caças F-15, liguei mais três vezes. Nada.
Uma inquietação se impõe.
Noto que a tripulação perdeu
o rumo. Nos momentos mais
críticos, o comandante desligava o motor. Com o silêncio,
vinha a sensação de abandono. Estávamos à deriva.
O casal holandês estava tão
abraçado que parecia um só
ser. Uma moradora da ilha, a
primeira a entrar em pânico,
já não conseguia segurar a filha de dois anos. Foi amparada por uma colega. Uma senhora continuava suas rezas.
Eu eu seguia colado ao banco,
na popa, onde não havia mais
ninguém, pois era a área mais
molhada.
E, assim como veio a primeira grande onda, veio a última. E o mar voltou a seu agito natural de um dia chuvoso.
A viagem que duraria
1h30min levou 2h30min.
Nem por isso esquecemos a
salva de palmas ao desembarcar no cais da vila Abraão, na
Ilha Grande.
No relatório oficial feito à
Marinha, o comandante afirmou que a travessia teve pontos críticos em função do mau
tempo, mas que a viagem estava segura e, aos seus cuidados, sob controle. Assegurou
que a chuva e ventos obrigaram a um desvio consciente
de rota.
Como a idéia da viagem era
sair da rotina, esse deve ter sido um bom começo.
(FABIO MARRA)
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