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TRAGOS LETRADOS
Eventos no centenário do Bloomsday, dia em que o herói de "Ulisses" anda pela cidade, começam em abril
James Joyce põe Dublin em festa em 2004
DA ENVIADA ESPECIAL À IRLANDA
Dublin estará em festa por cinco meses em 2004. Comemoram-se os cem anos em que Leopold
Bloom, o protagonista de "Ulisses"-um dos mais importantes
épicos da literatura- passa um
único dia (16 de junho de 1904)
perambulando pela capital.
Aficionados pela história de James Joyce (publicada em 1922)
saem às ruas para lembrar o dia
de Bloom, o Bloomsday. Vestem
roupas de época, dramatizam, fazem leituras da obra e tentam reproduzir aquela data em locais
por onde o personagem passou.
"Esperamos ter milhares de
pessoas participando das leituras
numa tentativa recorde", diz Bob
Joyce, sobrinho-neto do autor de
"Ulisses" e diretor do James Joyce
Center -um centro instalado em
uma casa em estilo georgiano, no
norte de Dublin, que visa ajudar
os interessados por literatura a
entender um pouco mais sobre a
vida e a complexa obra do autor.
Diferentemente dos outros
anos, em que o Bloomsday é comemorado por no máximo uma
semana, em 2004, o evento começa em 1º de abril e prolonga-se até
31 de agosto. A festa será inédita.
"Queremos projetar imagens em
prédios e iluminar alguns que tenham conexão com "Ulisses"."
O governo organizou um comitê Rejoyce 2004 (www.rejoyce
dublin2004.com) para cuidar do
evento e reunir outras pessoas
-além de leitores da obra.
"É um livro muito complicado.
Joyce foi muito complexo na maneira em que ele esquematizou o
livro", diz o outro Joyce. O centro
dirigido por ele ajuda a descomplicar a obra por meio de palestras, grupos de leitura e de discussão, quadros, vídeos e murais.
Numa das salas, há um quadro esquematizando com cores, partes
do corpo e tipos de linguagem os
18 capítulos de "Ulisses".
Leia entrevista que Bob Joyce
concedeu à Folha no James Joyce
Center (35 North Great George's
St.), com detalhes sobre os eventos dos cem anos do dia de
Bloom.
(MARGARETE MAGALHÃES)
Folha - O que vai acontecer em
2004 para comemorar o centenário
do Bloomsday?
Bob Joyce - Planejamos ligar o
Bloomsday pela internet ao redor
do mundo. Exatamente como,
ainda não finalizamos. Nos surpreende o número de países que
participam. Países como Croácia
e Eslovênia terão eventos Bloomsday pela primeira vez. Tradicionalmente, há eventos na maioria
dos países da Europa e em muitas
cidades nos EUA e também na
América do Sul. Em 1998 tivemos
uma leitura mundial de "Ulisses"
com a participação do Brasil e da
Argentina. Há grupos em São
Paulo e no Rio com os quais temos tido contato por anos.
Folha - A leitura de "Ulisses" assusta muita gente. O Bloomsday
terá participação popular maior?
Joyce - Estamos tentando fazer
eventos para que pessoas comuns
que estejam andando nas ruas se
envolvam. No domingo que antecede o Bloomsday esperamos fazer um café da manhã de graça e
leituras para 20 mil pessoas na
O'Connell Street, baseado no café
que Leopold Bloom comeu em
Dublin [leia na programação].
Haverá muitas dramatizações.
Queremos fazer uma leitura de
"Ulisses" na ponte Liffey. Esperamos ter milhares de pessoas participando das leituras numa tentativa recorde. Outros eventos incluem exibições de arte e shows.
Queremos projetar imagens em
prédios e iluminar alguns que tenham conexão com "Ulisses".
A abertura de "Ulisses" acontece na torre Martello em Sandycove [leia na pág.F5]. Há nove dessas [torres] ao longo da baía de
Dublin. Iremos acendê-las todas,
com cores que casam com o esquema que Joyce tinha no livro.
Folha - Qual é a expectativa de público para o centenário?
Joyce - Em alguns dos festivais,
tivemos cerca de 500 pessoas do
exterior. Mas, como o ano que
vem é o centenário do Bloomsday, esperamos milhares [de estrangeiros]. O festival começará
bem antes. Normalmente é apenas um dia de festa ou uma semana. Dessa vez, será um evento de
cinco meses. O governo montou
um comitê nacional, o Rejoyce
Dublin 2004 para coordená-lo.
Folha - Os irlandeses lêem "Ulisses"?
Joyce - Essa é a situação mais peculiar. As pessoas de fora da Irlanda tendem a ler Joyce mais do que
os irlandeses. Acredito que uma
das razões é que as pessoas em
Dublin sentem que não têm de ler
o livro porque elas vivem isso todos os dias.
Folha - "Ulisses" pode ser um
guia turístico de Dublin?
Joyce - Sim, eu acho que, quando você vem para Dublin, você
tem um sabor do livro. Deve ser
difícil para as pessoas fora de Dublin entenderem as gírias e a linguagem. Nós as entendemos de
imediato.
Folha - A leitura dessa obra intrincada foi difícil para o sr.?
Joyce - Ser parte da família não
tornou a leitura mais fácil, mas o
fato de eu ser de Dublin tornou isso mais fácil, porque entendo as
gírias. Nunca li ["Ulisses"] do começo ao fim. Na verdade, li diferentes capítulos em momentos
distintos. E há histórias dentro de
histórias. Parece ser fácil ler só um
capítulo. Você descobre coisas diferentes a cada leitura ou toda vez
que alguém faz uma palestra ou
fala sobre "Ulisses". É um livro
muito complicado. Joyce foi muito complexo na maneira em que
ele esquematizou o livro. Os 18 capítulos são escritos em estilos diferentes e parece não haver lógica
de um capítulo para o outro.
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