São Paulo, quinta-feira, 09 de fevereiro de 2006

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DEPOIMENTO

Peguei o "táxi do crime" na Cidade do México

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

A primeira recomendação que o turista recebe ao chegar à Cidade do México é: nunca, jamais, em hipótese alguma pegue um táxi verde nas ruas -o mais comum e mais barato de todos. O motivo? Há quadrilhas especializadas em seqüestros relâmpagos operando nesses veículos, quase sempre nos tradicionais Fuscas -apelidados de vochitos pelos mexicanos.
Nos guias de viagem, nos restaurantes e no seu hotel, o discurso do terror pouco varia. Até o Departamento de Estado norte-americano costuma avisar em seu site que "ataques a passageiros de táxis [na capital mexicana] são freqüentes e violentos, com pessoas sendo submetidas a surras, tiros e ataques sexuais". E a orientação também é semelhante: peça um táxi pelo telefone -um sistema confiável, mas pelo qual você pagará até cinco vezes mais.
Há pouco mais de um ano, fui ao México passar férias com minha mulher. E, mesmo tendo uma boa quilometragem em viagens, com carimbos no passaporte do Laos à Bolívia, adotei de início uma tática conservadora, pagando vários dólares a mais nos táxis credenciados.
Aos poucos, no entanto, fui notando que muitos nativos usam, sim, os vochitos verdes. As estatísticas oficiais mostram que 300 pessoas são seqüestradas por ano na cidade, a maioria apenas por algumas horas -tempo suficiente para o motorista-assaltante parar em um caixa eletrônico e limpar a conta bancária do passageiro. É um número alto, que coloca a capital mexicana entre as cidades mais violentas do mundo.
Mas, para um paulistano, por incrível que pareça, as chances de ser assaltado diminuem no México. Reportagem da Folha mostrou que em 2005 ocorreram por mês cerca de cem seqüestros relâmpagos na cidade. É uma taxa quatro vezes maior do que na capital mexicana -onde vivem quase 20 milhões de pessoas, o dobro da população de São Paulo.
Não se tratava de brincar com as estatísticas de violência nem de bancar os heróis, mas apenas de economizar dinheiro (pois ficamos uma semana por lá) e tentar saborear a cidade com mais ingredientes locais: decidimos, então, pegar um táxi verde na rua.
O ponto de partida era o incrível Museu Nacional de Antropologia. Não demorou nem 20 segundos para um vochito parar.
Assim que a porta se abriu, as diferenças se revelaram. Não havia ar-condicionado nem bancos de couro. O banco da frente, aliás, inexistia. No lugar, uma sacola lotada de frangos crus -que se faziam notar pelo cheiro.
O motorista, um simpático e falante mexicano com feições indígenas, passou o caminho todo falando sobre sua cidade, da história dos monumentos nas largas avenidas, das glórias dos clubes de futebol da capital e da crise política pela qual o país passava.
Em 20 minutos chegamos ao hotel. Desviei do frango, paguei a corrida e agradeci pela simpatia. Nem bem descemos do fusquinha, e o gerente do hotel nos interpelou, com cara de assustado: "Por que vieram de vochito?"
Nada de extraordinário, pensei alto. Apenas queríamos sorver um pouco mais da cultura local, conhecer sua gente e costumes, deixando de lado a infra-estrutura pré-fabricada para as hordas de brasileiros que invadem o México em direção ao balneário de Cancún. Mas, para encurtar a explicação, falei: "Viemos correndo para ver o jogo da seleção brasileira na TV". Aí, ele entendeu.


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