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OLHAR CARIOCA
RUY CASTRO
O Rio "noir", no verso do cartão-postal
Na sua face sombria, Copacabana deixa de ser a princesinha do mar e assume traços de um cenário fatal
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma metrópole se caracteriza por seus contrastes. Quanto
mais contrastes tiver, mais metrópole será. O Rio, por exemplo. O fato de ser uma cidade à
beira-mar faz com que os mal-informados o reduzam à condição de balneário e, ao compará-lo com algum lugar, pense no
sul da França.
Mas, se você quer saber, essa
comparação não existe. Cannes
inteira é menor que Copacabana e, somente na minúscula e
querida Urca, cabem duas ou
três Saint-Tropez.
Na verdade, não existe outra
cidade do tamanho do Rio com
as mesmas conveniências de
Nova York, Paris ou São Paulo
e, ao mesmo tempo, tão voltada
para uma cultura de praia.
Cultura esta que vem de várias gerações, e não é incomum
que um jovem carioca de hoje
se divirta com fotos de seus bisavós na areia de Copacabana,
em 1928, ou na ponta do Arpoador, em 1932.
No Rio, ninguém diz que vai
"para a praia" -o que implica
ter de esperar pelas férias, viajar 300 km e rezar para não
chover. No Rio, vai-se "à praia",
todos os dias do ano, com a
mesma naturalidade de quem
atravessa uma rua, mesmo que,
para isso, o cidadão tenha que
pegar o carro ou tomar um ônibus e vencer dois ou três túneis.
Mas ninguém está a mais de
30 minutos de uma praia -assim como de um museu, de um
teatro ou de um restaurante
centenário.
Por sorte, essa cultura de
praia está longe de ser a única e,
quem conhece apenas o Rio dos
cartões-postais, está perdendo
as outras cidades embutidas na
metrópole. Pois, assim como há
o Rio solar, dos corpos dourados, há também o Rio noturno,
que não é o das luzes da Barra,
dos botequins do Leblon ou das
gafieiras da Gamboa, templos
da "joie de vivre" carioca.
É o Rio "noir", em que o bairro de Copacabana deixa de ser a
princesinha do mar para se parecer com um cenário, sombrio
e fatal, de filme de Jean-Pierre
Melville nos anos 50; em que as
tentações do balcão da Adega
Pérola, na rua Siqueira Campos, buscam amenizar a solidão
de um frequentador; e os salões
de peroba e mogno dos apartamentos da orla convidam tanto
a conspirações quanto a efemérides.
É o Rio de Vila Isabel, em que
a estátua de Noel Rosa no bulevar espera com paciência pelo
fim da guerra entre as facções e
os sambas impressos nas calçadas de pedras portuguesas cantam a certeza da volta de dias
melhores. E é o Rio da eterna
Lapa, onde novos amores e desamores brotam à sombra dos
velhos Arcos ou nos degraus do
Selaron, depois de décadas em
que a cidade parecera lhes virar
as costas.
Mas mesmo este Rio "noir" é
palco para deslumbramentos.
"E é o Rio da Lapa,
onde novos amores e
desamores brotam à
sombra dos arcos ou
nos degraus do Selaron, depois de décadas
em que a cidade parecera lhes dar as costas"
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