São Paulo, quinta-feira, 09 de abril de 2009

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OLHAR CARIOCA

Ainda que ranzinza, pessoa muda em Copacabana

Neta de confeiteiro do Copacabana Palace, cineasta lembra como era doce o domingo na cozinha do hotel

ENTREVISTA CARLA CAMURATI

PRISCILA PASTRE-ROSSI
DA REDAÇÃO

A atriz e diretora carioca Carla Camurati, 48, viveu parte da infância entre sorvetes, éclairs, queijadinhas, tortas e frutas frescas cobertas de marzipã. Sobre os domingos inteiros que passava com a irmã na cozinha do hotel Copacabana Palace -onde o avô era confeiteiro- e outros momentos no bairro, ela falou à Folha, por telefone, na última terça-feira.

 

FOLHA - Como era ser neta do confeiteiro do Copacabana Palace? CARLA CAMURATI - Era ter domingos muito doces [rindo].

FOLHA - Você ia vê-lo trabalhar aos domingos?
CAMURATI
- Sim, eu e minha irmã. Nosso trabalho começava cedo, às sete da manhã. E só terminava lá pelas 15h, 16h.

FOLHA - Trabalho?
CAMURATI
- Éramos as "degustadoras oficiais" do meu avô. Era o momento mais esperado da semana. E você sabe que nem na cozinha do Copacabana Palace dá para ir sem estar arrumada, né? A gente colocava vestido rosa e sapatos de verniz e fazia um rabo de cavalo bem esticado, para não cair nenhum fio na cozinha. Aliás, eu adorava aquela cozinha. Linda, enorme, industrial. Eu tinha uns sete anos, mas lembro bem dela.

FOLHA - Vocês experimentavam um pouco de tudo?
CAMURATI
- De tudo! A gente ficava em cima de uma bancada, à espera dos docinhos. De tanto comer, cansávamos e acabávamos dormindo. A imagem mais forte que tenho é a da gente acordando, rodeada de doces. Eram éclairs, queijadinhas, pequenas tortas de morango, frutinhas de marzipã, sorvetes...

FOLHA - A gastronomia já estava ligada à família antes de seu avô?
CAMURATI
- Quem começou a aprender a cozinhar foi o irmão desse meu avô, chamado Giovanni, na Itália. Mas aí ele foi convocado para a guerra. O menor, Enrico, tinha uns 16 anos, então não foi chamado. Um dia, para tentar ganhar algum dinheiro, o Enrico participou de um concurso de pâtisserie. Treinou muito, ganhou e começou a trabalhar com doces em Roma. Para o Brasil, os dois vieram juntos. O mais velho trabalhando com salgados; e o mais novo, com doces.

FOLHA - Que outras lembranças você tem do Copacabana Palace?
CAMURATI
- Ah, da piscina. A cozinha ficava no mesmo andar. A gente olhava toda vez que a porta abria. Mas aí a porta fechava, e a gente ficava esperando uma nova chance de espiar. O bom da vida é a gente ter um olhar de que as coisas são legais, mesmo que naquela hora não estejam ao nosso alcance. Faz parte da vida não ter, para poder desejar. Depois de adulta fui muitas vezes a essa piscina.

FOLHA - Vocês iam aos bailes de carnaval do hotel?
CAMURATI
- Ao infantil. Eu brincava com a cenografia, com os confetes e serpentinas. Minha mãe nos vestia de pirata, de índio, de bailarina, de jogadora do Fluminense... [rindo]

FOLHA - Que outra memória você guarda da infância em Copacabana?
CAMURATI
- Eu nasci em Botafogo, mas estudei em Copacabana. Gosto de lembrar de quando minha mãe nos levava à praia e das festas de Réveillon, que eram bárbaras!

FOLHA - Diferentes de agora?
CAMURATI
- Muito! Réveillon em Copacabana era na areia, vendo os barcos para Iemanjá. Tinha um clima religioso, de ritual. Hoje tem queima de fogos e show até as três da manhã. É bonito, mas é diferente. Eu adorava aquela coisa de molhar os pés, jogar uma rosinha branca no mar, rezar e fazer um pedido para o ano novo. E tinha aquelas mulheres com roupas brancas de renda... Era mágico.

FOLHA - Que lugares você indica em uma visita a Copacabana?
CAMURATI
- Para comer, gosto do Amir [www.amirrestau rante.com.br], um restaurante árabe que fica em frente à praça Arcoverde. Para ir à noite tem o Copa Café, na av. Atlântica. Outro programa gostoso é comprar um peixe na colônia de pescadores e visitar o forte de Copacabana.

FOLHA - Em "Copacabana" [filme dirigido por Carla em 2001] você aborda a história do bairro. Qual é o seu momento preferido?
CAMURATI
- A existência dele é encantadora por si só. As pessoas gostam, querem envelhecer ali. Quando comecei o filme, notei que, por mais ranzinza que uma pessoa seja, em Copacabana ela muda. Todos vão à praia, jogam, conversam. Ninguém fica empoleirado.


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