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OLHAR CARIOCA
Ainda que ranzinza, pessoa muda em Copacabana
Neta de confeiteiro do Copacabana Palace, cineasta lembra como era doce o domingo na cozinha do hotel
ENTREVISTA CARLA CAMURATI
PRISCILA PASTRE-ROSSI
DA REDAÇÃO
A atriz e diretora carioca Carla Camurati, 48, viveu parte da
infância entre sorvetes, éclairs,
queijadinhas, tortas e frutas
frescas cobertas de marzipã.
Sobre os domingos inteiros
que passava com a irmã na cozinha do hotel Copacabana Palace -onde o avô era confeiteiro- e outros momentos no
bairro, ela falou à Folha, por telefone, na última terça-feira.
FOLHA - Como era ser neta do confeiteiro do Copacabana Palace?
CARLA CAMURATI - Era ter domingos muito doces [rindo].
FOLHA - Você ia vê-lo trabalhar aos
domingos?
CAMURATI - Sim, eu e minha irmã. Nosso trabalho começava
cedo, às sete da manhã. E só
terminava lá pelas 15h, 16h.
FOLHA - Trabalho?
CAMURATI - Éramos as "degustadoras oficiais" do meu avô.
Era o momento mais esperado
da semana. E você sabe que
nem na cozinha do Copacabana
Palace dá para ir sem estar arrumada, né? A gente colocava
vestido rosa e sapatos de verniz
e fazia um rabo de cavalo bem
esticado, para não cair nenhum
fio na cozinha. Aliás, eu adorava aquela cozinha. Linda, enorme, industrial. Eu tinha uns sete anos, mas lembro bem dela.
FOLHA - Vocês experimentavam
um pouco de tudo?
CAMURATI - De tudo! A gente ficava em cima de uma bancada,
à espera dos docinhos. De tanto
comer, cansávamos e acabávamos dormindo. A imagem mais
forte que tenho é a da gente
acordando, rodeada de doces.
Eram éclairs, queijadinhas, pequenas tortas de morango, frutinhas de marzipã, sorvetes...
FOLHA - A gastronomia já estava ligada à família antes de seu avô?
CAMURATI - Quem começou a
aprender a cozinhar foi o irmão
desse meu avô, chamado Giovanni, na Itália. Mas aí ele foi
convocado para a guerra. O menor, Enrico, tinha uns 16 anos,
então não foi chamado. Um dia,
para tentar ganhar algum dinheiro, o Enrico participou de
um concurso de pâtisserie.
Treinou muito, ganhou e começou a trabalhar com doces em
Roma. Para o Brasil, os dois vieram juntos. O mais velho trabalhando com salgados; e o mais
novo, com doces.
FOLHA - Que outras lembranças
você tem do Copacabana Palace?
CAMURATI - Ah, da piscina. A cozinha ficava no mesmo andar. A
gente olhava toda vez que a
porta abria. Mas aí a porta fechava, e a gente ficava esperando uma nova chance de espiar.
O bom da vida é a gente ter um
olhar de que as coisas são legais,
mesmo que naquela hora não
estejam ao nosso alcance. Faz
parte da vida não ter, para poder desejar. Depois de adulta
fui muitas vezes a essa piscina.
FOLHA - Vocês iam aos bailes de
carnaval do hotel?
CAMURATI - Ao infantil. Eu
brincava com a cenografia, com
os confetes e serpentinas. Minha mãe nos vestia de pirata, de
índio, de bailarina, de jogadora
do Fluminense... [rindo]
FOLHA - Que outra memória você
guarda da infância em Copacabana?
CAMURATI - Eu nasci em Botafogo, mas estudei em Copacabana. Gosto de lembrar de
quando minha mãe nos levava à
praia e das festas de Réveillon,
que eram bárbaras!
FOLHA - Diferentes de agora?
CAMURATI - Muito! Réveillon
em Copacabana era na areia,
vendo os barcos para Iemanjá.
Tinha um clima religioso, de ritual. Hoje tem queima de fogos
e show até as três da manhã. É
bonito, mas é diferente. Eu
adorava aquela coisa de molhar
os pés, jogar uma rosinha branca no mar, rezar e fazer um pedido para o ano novo. E tinha
aquelas mulheres com roupas
brancas de renda... Era mágico.
FOLHA - Que lugares você indica
em uma visita a Copacabana?
CAMURATI - Para comer, gosto
do Amir [www.amirrestau
rante.com.br], um restaurante árabe que fica em frente à
praça Arcoverde. Para ir à noite
tem o Copa Café, na av. Atlântica. Outro programa gostoso é
comprar um peixe na colônia
de pescadores e visitar o forte
de Copacabana.
FOLHA - Em "Copacabana" [filme
dirigido por Carla em 2001] você
aborda a história do bairro. Qual é o
seu momento preferido?
CAMURATI - A existência dele é
encantadora por si só. As pessoas gostam, querem envelhecer ali. Quando comecei o filme, notei que, por mais ranzinza que uma pessoa seja, em Copacabana ela muda. Todos vão
à praia, jogam, conversam. Ninguém fica empoleirado.
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