São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2008

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AUTOR

"Não encontrei referência a essa viagem"

DA REPORTAGEM LOCAL

O retrato traçado pelo perfil biográfico "D. Pedro 2º -Ser ou Não Ser" (ed. Companhia das Letras, 269 págs.), de José Murilo de Carvalho, mostra um homem dividido entre as obrigações de imperador e a personalidade tímida, com interesse incessante por ciência e cultura. Ao viajar pelo exterior, despia-se da figura do imperador e queria ser só Pedro de Alcântara, um homem comum -que desprezava cerimônias e pagava as despesas de seu próprio bolso ou com dinheiro emprestado.
Carvalho diz não ter encontrado referências à viagem imperial pela Irlanda durante suas pesquisas para o livro. Leia abaixo trechos da entrevista exclusiva concedida pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro à Folha, por e-mail. (MARINA DELLA VALLE)

 

FOLHA - A viagem de d. Pedro 2º à Irlanda não foi registrada nos diários dele. O sr. acredita que o motivo tenha sido a presença da condessa de Barral na comitiva?
JOSÉ MURILO DE CARVALHO -
Quando o imperador viajava com ela, não havia diário. E, se ela não o acompanhava, ele fazia o diário -e mandava para a condessa.

FOLHA - Em suas pesquisas, o sr. encontrou referência à viagem?
CARVALHO
- Não encontrei referência a essa viagem. É uma novidade com que você me presenteia.

FOLHA - O "Irish Times" descreve a simplicidade da comitiva e da aparência de d. Pedro 2º e da imperatriz. O sr. descreve comportamento semelhante em outras viagens. Como o sr. vê a relação dele com as viagens?
CARVALHO
- Infalivelmente, seu comportamento no exterior era o de um cidadão comum, um turista voraz que queria ver tudo, em especial o que se referia a cultura.

FOLHA - Como reagiam os anfitriões ao desprezo de d. Pedro 2º por formalidades?
CARVALHO
- A nobreza das cortes e mesmo autoridades dos EUA ficavam desapontadas. Já os jornalistas e as pessoas comuns adoravam.

FOLHA - O sr. conta no livro que d. Pedro 2º viajava com dinheiro emprestado. Isso se dava pela preocupação em não gastar dinheiro público ou pela tentativa de viajar como cidadão comum?
CARVALHO
- As viagens eram pagas do próprio bolso, não pesavam no Tesouro, daí a necessidade de empréstimo.

FOLHA - As reportagens do "Irish Times" e o seu livro descrevem d. Pedro 2º como um superturista, de energia inesgotável. O retrato não destoa do homem melancólico que ele demonstrava ser em certas ocasiões?
CARVALHO
- Ele foi sempre agitado, mesmo no Brasil. Talvez até para compensar as frustrações sentimentais.

FOLHA - Apesar de deixar as obrigações imperiais de lado durante as viagens, d. Pedro 2º ia a diversas instituições, demonstrando intenção de levar exemplos para o Brasil. Ele não conseguia tirar seu dever com o país da mente ou isso fazia parte dos interesses pessoais do homem Pedro de Alcântara?
CARVALHO
- As duas coisas.
Ele sempre teve interesse por cultura, educação e tecnologia. Nesse ponto Pedro 2º e Pedro de Alcântara se encontravam.

FOLHA - D. Pedro 2º era discreto em suas aventuras. Como a presença da condessa de Barral na comitiva, da qual também participava a imperatriz, se encaixa nesse aspecto?
CARVALHO
- Era uma situação delicada, uma saia justa, como se diria hoje. A condessa era particularmente sensível ao problema. Pelo resto, a etiqueta da corte ajudava a conter as reações.

FOLHA - Ao chegar a Dublin, d. Pedro 2 º foi direto visitar uma destilaria e a fábrica da Guinness, o que rendeu um comentário irônico num jornal. Há pistas sobre os motivos desse interesse?
CARVALHO
- Não tenho pistas, nem há indicação que ele gostasse de cerveja. Imagino que foi a tecnologia que despertou seu interesse.

FOLHA - Em sua opinião, o que mudou na visão dos historiadores sobre d. Pedro 2º desde a sua morte até os nossos dias?
CARVALHO
- Como pessoa, ele foi menos maltratado pelos historiadores do que o pai e o avô. Passados 120 anos da Proclamação da República, é o seu governo que é visto com menos animosidade.


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