São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2008

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FRONTEIRA VERDE

Na floresta, coisas miúdas rivalizam com a imensidão

Raízes rebordam o chão e grilos chamam a atenção em passeio que convida olhar a se voltar aos detalhes

DA ENVIADA ESPECIAL À AMAZÔNIA

Tudo começa com instruções de segurança. Ninguém deve andar à frente do guia e, ao sinal de cobra, todos devem ficar parados, sem correria nem gritos. Parece que o que vem pela frente é algo selvagem, inexplorado e ameaçador. E, pensando bem, até que é mesmo.
O que está para começar é uma trilha pela floresta amazônica. E, se no começo, a idéia de entrar em território ocupado por cobras e aranhas dá uma lasca de frio na espinha, logo o tom muda. No decorrer do passeio, o guia chama aracnídeos de amigos, e as árvores dominam as conversas.
A trilha é um tanto civilizada. Larga, permite uma caminhada tranqüila. A imagem de floresta fechada, densa, superlativa não corresponde muito ao que se vê ali dentro -a luz é farta e não é necessário o uso de um facão para abrir uma picada.

Afine a vista
É preciso sintonizar o olhar para ver o que a selva amazônica tem que as outras não têm.
A primeira coisa a notar é a camada de musgos e liquens sobre quase tudo. A impressão que dá é que tudo ali é casco de navio -cheio de cracas, ferrugens e descascados. As folhas de palmeiras, mesmo estreitas, têm uma cobertura de musgos e liquens. Parece que onde há superfície, nasce alguma coisa.
O cenário é uma sucessão de camadas formadas por folhas, troncos, caules, cipós, trepadeiras, flores, sementes, frutos, raízes. Um minuto olhando para o mesmo ponto dá a dimensão de que quanto mais se olha, mais fica claro que não vai dar para ver tudo.
A outra sintonia é desencanar de ver macaco, cobra e preguiça e se voltar para as pequenas coisas. Apesar de a Amazônia ser associada à imensidão, são as coisas miúdas as que mais surpreendem. Um grilo em forma de folha seca, direto do capítulo de mimetismo do livro de biologia, pula ao lado de outro grilo multicolorido e fluorescente ao mesmo tempo.
E enquanto está todo mundo com dor no pescoço de tentar ver aquele macaco do lado de lá daquele último galho comprido atrás da terceira árvore alta da esquerda para a direita, ganha quem olha para o chão.

Tapete bordado
O chão da selva é um delírio. Porque ele nunca é só chão. É o seguinte: o solo dessa região tem uma camada de terra relativamente rasa -cerca de 75 cm- sob a qual há uma profunda camada de areia, com metros de profundidade, sob a qual há, finalmente, argila.
Agora calcule: uma árvore frondosa enraizada em uma estreita camada de terra não pode dar certo a não ser que essa árvore espalhe raízes radialmente ou consiga ultrapassar a extensa camada de areia até chegar à argila, coisa que poucas conseguem fazer.
Ou seja, a base da maior parte das árvores é mais extensa do que profunda. Daí que as raízes estão por todos os lados.
Para melhorar, elas podem ser vermelho-vivo e amarelo-ouro, por exemplo, caso da amapá e da carapanauba, respectivamente. O chão parece mesmo um enorme tapete bordado de raízes.
Some a esse fenômeno o fato de que todas as folhas, frutos, flores e sementes de todas aquelas árvores caem nesse mesmo chão. O que se tem, por fim, é uma sucessão de texturas e cores bem ali debaixo do seu nariz, literalmente.
Com os olhos sintonizados, segue-se pelos caminhos da floresta ouvindo as explicações do guia sobre os usos e utilidades das plantas e dos insetos da floresta.
(HELOISA LUPINACCI)


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