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FRONTEIRA VERDE
Na floresta, coisas miúdas rivalizam com a imensidão
Raízes rebordam o chão e grilos chamam a atenção em passeio que convida olhar a se voltar aos detalhes
DA ENVIADA ESPECIAL À AMAZÔNIA
Tudo começa com instruções
de segurança. Ninguém deve
andar à frente do guia e, ao sinal
de cobra, todos devem ficar parados, sem correria nem gritos.
Parece que o que vem pela frente é algo selvagem, inexplorado
e ameaçador. E, pensando bem,
até que é mesmo.
O que está para começar é
uma trilha pela floresta amazônica. E, se no começo, a idéia de
entrar em território ocupado
por cobras e aranhas dá uma
lasca de frio na espinha, logo o
tom muda. No decorrer do passeio, o guia chama aracnídeos
de amigos, e as árvores dominam as conversas.
A trilha é um tanto civilizada.
Larga, permite uma caminhada
tranqüila. A imagem de floresta
fechada, densa, superlativa não
corresponde muito ao que se vê
ali dentro -a luz é farta e não é
necessário o uso de um facão
para abrir uma picada.
Afine a vista
É preciso sintonizar o olhar
para ver o que a selva amazônica tem que as outras não têm.
A primeira coisa a notar é a
camada de musgos e liquens sobre quase tudo. A impressão
que dá é que tudo ali é casco de
navio -cheio de cracas, ferrugens e descascados. As folhas
de palmeiras, mesmo estreitas,
têm uma cobertura de musgos
e liquens. Parece que onde há
superfície, nasce alguma coisa.
O cenário é uma sucessão de
camadas formadas por folhas,
troncos, caules, cipós, trepadeiras, flores, sementes, frutos,
raízes. Um minuto olhando para o mesmo ponto dá a dimensão de que quanto mais se olha,
mais fica claro que não vai dar
para ver tudo.
A outra sintonia é desencanar de ver macaco, cobra e preguiça e se voltar para as pequenas coisas. Apesar de a Amazônia ser associada à imensidão,
são as coisas miúdas as que
mais surpreendem. Um grilo
em forma de folha seca, direto
do capítulo de mimetismo do
livro de biologia, pula ao lado de
outro grilo multicolorido e
fluorescente ao mesmo tempo.
E enquanto está todo mundo
com dor no pescoço de tentar
ver aquele macaco do lado de lá
daquele último galho comprido
atrás da terceira árvore alta da
esquerda para a direita, ganha
quem olha para o chão.
Tapete bordado
O chão da selva é um delírio.
Porque ele nunca é só chão. É o
seguinte: o solo dessa região
tem uma camada de terra relativamente rasa -cerca de 75
cm- sob a qual há uma profunda camada de areia, com metros de profundidade, sob a
qual há, finalmente, argila.
Agora calcule: uma árvore
frondosa enraizada em uma estreita camada de terra não pode
dar certo a não ser que essa árvore espalhe raízes radialmente ou consiga ultrapassar a extensa camada de areia até chegar à argila, coisa que poucas
conseguem fazer.
Ou seja, a base da maior parte
das árvores é mais extensa do
que profunda. Daí que as raízes
estão por todos os lados.
Para melhorar, elas podem
ser vermelho-vivo e amarelo-ouro, por exemplo, caso da
amapá e da carapanauba, respectivamente. O chão parece
mesmo um enorme tapete bordado de raízes.
Some a esse fenômeno o fato
de que todas as folhas, frutos,
flores e sementes de todas
aquelas árvores caem nesse
mesmo chão. O que se tem, por
fim, é uma sucessão de texturas
e cores bem ali debaixo do seu
nariz, literalmente.
Com os olhos sintonizados,
segue-se pelos caminhos da floresta ouvindo as explicações do
guia sobre os usos e utilidades
das plantas e dos insetos da floresta.
(HELOISA LUPINACCI)
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