São Paulo, quinta-feira, 13 de setembro de 2007

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De tempero indiano, "bunnychow" dispensa talheres e exige habilidade

DA ENVIADA ESPECIAL

Com forte sotaque, a mulher de traços indianos pergunta: "half" ou "quarter" (meio ou um quarto)? Sem entender direito, fui no "half", que dá para dois. Próxima questão: "lamb", "chicken", "vegetables"... e um olhar inquisidor. Hãn? Só entendo o "vegetables". E lá vamos nós: meio, de vegetais.
Então começa a feitura: um pão de forma inteiro, não fatiado, é cortado ao meio ainda com o plástico que o envolve. A mulher retira o miolo do pão, formando uma espécie de rolha com a porção que retirou. Preenche o buraco que ficou no pão com curry de vegetais, amassa a rolha de miolo e a coloca sobre tudo. E entrega.
"Você poderia me dar uma colher?" Olhares de reprovação vêm de todos os lados. ""Bunnychow" se come com a mão."
Olho para o chão, para o pão cheio de curry, para a minha mão e, com olhos pidões, imploro: "Por favor, arrume uma colher para mim".
O gourmet Raj Govender, descendente de indianos, observa a cena.
Na mesa, começa um embate entre eu, o "bunnychow", o respeito aos costumes e a colher. Na primeira tentativa de comer com as mãos, consigo apenas lambuzá-la e pegar um pedaço de pão com um pouco do molho. Apelo para a colher. Um grande e saboroso pedaço de beringela embebido no curry faz que todas as papilas gustativas estalem: é delicioso, mas cada milímetro quadrado da boca arde e formiga.
Não há chance de comer um desses sem uma bebida refrescante para acompanhar.
Minutos depois do início da refeição, Raj Govender senta-se à minha mesa com seu quarto de "bunnychow", se apresenta e diz o motivo da abordagem: "Vi que você nunca comeu um desses. Quer ajuda para saber como se come?" Claro.
Ele mostra habilmente que basta usar as partes do pão como se fosse um guardanapo para apanhar o curry e levar a porção à boca, com as pontas dos dedos. Parece fácil, mas no meu "bunnychow" tem uma batata inteira. Como vou apanhá-la com um pedaço de pão e colocá-la assim, íntegra, na minha boca? Nem Govender consegue responder essa.

Escondidinho
O curry tinha favas, batata e beringela. O pão ameniza o efeito da pimenta. Mas não é por esse efeito de morde e assopra que o prato foi inventado. A receita tem origem na segregação racial da era do apartheid.
Na época, os negros não podiam entrar nos restaurantes designados para outros grupos, como os brancos ou os descendentes de indianos. Mas já sabiam que o curry é uma delícia. Para que eles pudessem comer os ensopados com a mistura de temperos, surgiu o improviso. Os restaurantes passaram a "esconder" o curry dentro do pão e entregá-lo aos clientes negros assim, camuflado. A receita virou típica e está entre as mais populares em Durban, cidade na costa oeste do país que tem a maior população de descendentes de indianos.

Balde
Depois de comer com as mãos, por mais habilidade que se tenha, os dedos ficam sujos e amarelados pelo curry.
Por isso, quando for experimentar um "bunnychow" observe onde as pessoas vão lavar as suas mãos ao fim da refeição -os habitués tendem a saber onde está localizada a torneira mais próxima.
As barracas de feira que vendem o prato deixam um balde com água e espuma de sabão para os clientes enxaguarem seus dedos. A cor da água, no entanto, desestimula o seu uso.
(HELOISA LUPINACCI)


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