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De tempero indiano, "bunnychow" dispensa talheres e exige habilidade
DA ENVIADA ESPECIAL
Com forte sotaque, a mulher
de traços indianos pergunta:
"half" ou "quarter" (meio ou
um quarto)? Sem entender direito, fui no "half", que dá para
dois. Próxima questão: "lamb",
"chicken", "vegetables"... e um
olhar inquisidor. Hãn? Só entendo o "vegetables". E lá vamos nós: meio, de vegetais.
Então começa a feitura: um
pão de forma inteiro, não fatiado, é cortado ao meio ainda
com o plástico que o envolve. A
mulher retira o miolo do pão,
formando uma espécie de rolha
com a porção que retirou.
Preenche o buraco que ficou no
pão com curry de vegetais,
amassa a rolha de miolo e a coloca sobre tudo. E entrega.
"Você poderia me dar uma
colher?" Olhares de reprovação
vêm de todos os lados. ""Bunnychow" se come com a mão."
Olho para o chão, para o pão
cheio de curry, para a minha
mão e, com olhos pidões, imploro: "Por favor, arrume uma
colher para mim".
O gourmet Raj Govender,
descendente de indianos, observa a cena.
Na mesa, começa um embate
entre eu, o "bunnychow", o respeito aos costumes e a colher.
Na primeira tentativa de comer
com as mãos, consigo apenas
lambuzá-la e pegar um pedaço
de pão com um pouco do molho. Apelo para a colher. Um
grande e saboroso pedaço de
beringela embebido no curry
faz que todas as papilas gustativas estalem: é delicioso, mas cada milímetro quadrado da boca
arde e formiga.
Não há chance de comer um
desses sem uma bebida refrescante para acompanhar.
Minutos depois do início da
refeição, Raj Govender senta-se à minha mesa com seu quarto de "bunnychow", se apresenta e diz o motivo da abordagem:
"Vi que você nunca comeu um
desses. Quer ajuda para saber
como se come?" Claro.
Ele mostra habilmente que
basta usar as partes do pão como se fosse um guardanapo para apanhar o curry e levar a porção à boca, com as pontas dos
dedos. Parece fácil, mas no meu
"bunnychow" tem uma batata
inteira. Como vou apanhá-la
com um pedaço de pão e colocá-la assim, íntegra, na minha
boca? Nem Govender consegue
responder essa.
Escondidinho
O curry tinha favas, batata e
beringela. O pão ameniza o
efeito da pimenta. Mas não é
por esse efeito de morde e assopra que o prato foi inventado. A
receita tem origem na segregação racial da era do apartheid.
Na época, os negros não podiam entrar nos restaurantes
designados para outros grupos,
como os brancos ou os descendentes de indianos. Mas já sabiam que o curry é uma delícia.
Para que eles pudessem comer
os ensopados com a mistura de
temperos, surgiu o improviso.
Os restaurantes passaram a
"esconder" o curry dentro do
pão e entregá-lo aos clientes
negros assim, camuflado. A receita virou típica e está entre as
mais populares em Durban, cidade na costa oeste do país que
tem a maior população de descendentes de indianos.
Balde
Depois de comer com as
mãos, por mais habilidade que
se tenha, os dedos ficam sujos e
amarelados pelo curry.
Por isso, quando for experimentar um "bunnychow" observe onde as pessoas vão lavar
as suas mãos ao fim da refeição
-os habitués tendem a saber
onde está localizada a torneira
mais próxima.
As barracas de feira que vendem o prato deixam um balde
com água e espuma de sabão
para os clientes enxaguarem
seus dedos. A cor da água, no
entanto, desestimula o seu uso.
(HELOISA LUPINACCI)
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