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Lojistas rejeitam reforma no Mercado de Pulgas
DA ENVIADA ESPECIAL
Numa borda de Palermo Hollywood, distrito badalado por onde
circulam modernos, em um galpão salpicado de goteiras e caindo
aos pedaços, dezenas de pessoas
estão prestes a ser expulsas de um
lugar para o qual vão religiosamente todos os dias há mais de
dez anos.
Não se trata de uma desapropriação propriamente dita, mas
quase. E quem gosta de lugares insólitos deve correr a Buenos Aires
para conhecer esse.
Nesse galpão há de tudo, coisas
quebradas, bonecas sem olho,
perna de boneca sem corpo, cadeira sem espaldar e até um carro.
Tudo à venda. Entre dezenas de
boxes de velharias, há uma loja de
lustres amalucados.
O Mercado de Pulgas era antigamente um mercado de frutas.
Há cerca de 15 anos os donos das
atuais barracas tomaram o galpão, chamado manzana (nome
dado a um galpão que tenha cem
metros por cem metros). Ali
montaram seus boxes e começaram a vender todo tipo de velharia
ou de antigüidade. Há de armários enormes a minúsculos broches. Em um sábado à tarde,
vêem-se pessoas garimpando as
lojas, em busca de uma cadeira diferente, de um chapéu divertido
ou de itens para a produção de filmes. Muitos lojistas afirmam que
sua maior fonte de renda é a locação de produtos para filmes.
No entanto, até o final deste
mês, todos terão que sair dali. Eles
serão colocados em um galpão logo atrás de onde é a feira hoje. O
lugar que o mercado ocupa atualmente será reformado e só então
os lojistas poderão voltar. Mas
eles não querem de jeito nenhum.
Por todos os lados, cartazes afirmam que ninguém sai dali.
Maximiliano Formoso, 27, cuida da loja de sua sogra, que vende
só jogos de chá, com dezenas de
xícaras de diferentes estilos expostas em prateleiras de vidro em
um dos boxes mais arrumados e
iluminados de toda a feira. Segundo ele, a reforma transformará a
feira em "um shopping, destruindo a atmosfera do lugar".
Essa atmosfera de que Formoso
fala está resumida de forma contundente no espaço de Tony Valiente, que jura ter 143 anos, mas
aparenta ter no máximo 70.
Na ala esquerda da feira, ele
ocupa um corredor enorme. Faz
14 anos que mora ali, embora negue. Na ala dele, que tem 60 metros de comprimento, nada está
inteiro, e tudo está desparceirado,
adornado por placas com dizeres
espertinhos, como: "Crianças
com pais, não toquem em nada.
Pais, não toquem nas crianças".
Tocar em espanhol é também
molestar.
Ele produz chapéus e jaquetas
com as tralhas que coleciona. Cada chapéu é usado em um dia da
semana. Como são muitos chapéus e um punhado de dias, cada
um é identificado com uma etiqueta dizendo se é um chapéu de
segunda ou de sexta. Todos são
temáticos. Um é o chapéu gaúcho-alemão-com-toques-de-mar.
Outro é uma homenagem a seu
pai, tem uma chapa dourada no
cocuruto escrito Papa.
Além do chapeleiro maluco e
suas quinquilharias, a área dele na
feira é ocupada por 12 gatos. De
acordo com Valiente, se a reforma
do Mercado de Pulgas for levada a
cabo, ele terá direito, na volta, a
um espaço de 15 metros de extensão, já que os novos boxes deverão ser padronizados. Portanto
ele também é contra a reforma.
Em uma outra barraca, Oscar
Sergio Paez, 73, também contrário à reforma, se queixa de tudo.
Acha que a prefeitura abandonou
a feira há anos -quando, segundo ele, a manutenção do local deixou de ser feita- e não tem o direito de agora propor mudanças.
Além disso, é contra o trato de
ser descolado dali para retornar
quando a reforma estiver pronta
porque, diz: "Os argentinos são
mentirosos. Eu posso dizer isso
porque sou argentino. Você não".
Logo ele perde o fio da meada e
começa a falar de futebol. Alega
que a seleção argentina está fraca.
"Eu posso dizer isso porque sou
argentino há 43 anos. Você não."
Aí ele reclama de Nestor Kirchner, diz que o presidente não tem
punho para cuidar do país. E, já
sabe: "Eu posso dizer isso, porque
sou argentino. Você não".
(HL)
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