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ACHADOS PERUANOS
Rota confusa e corrupção policial são barreiras para chegar à região, onde fica tumba do Senhor de Sipán
Costa norte procura sua vocação em ruína arqueológica
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL AO NORTE DO PERU
Depois dos mochicas, dos
chimús, dos incas, dos espanhóis, dos saqueadores e dos
arqueólogos, é a vez dos turistas. Berço de culturas surgidas
há mais de mil anos e surpreendentemente desenvolvidas, a
ainda precária costa norte do
Peru está rapidamente se
transformando num dos principais destinos turísticos do
país -no rastro de impressionantes descobertas recentes
sobre as primeiras civilizações
da América do Sul.
Embora tanto a natureza
quanto os sítios arqueológicos
não tenham a exuberância dos
Andes e de Machu Picchu, há
muito o que conhecer, no espírito de quem sabe ler um soneto de Quevedo pensando que
foi escrito com uma pluma de
ganso, como ensina Cabrera
Infante. Se não é assim, Chan
Chan, capital do Império Chimú e a maior cidade de barro do
mundo, construída há cerca de
700 anos, parecerá mais uma
gigante olaria abandonada
-enquanto as dezenas de pirâmides serão apenas alguns
montes de terra.
Apesar dos vários sítios arqueológicos, a principal estrela
do norte é o Museu Tumbas
Reales de Sipán, na cidade de
Lambayeque, a cerca de 760
km de Lima. Do mesmo nível
de grandes museus mundiais, é
inteiramente dedicado às peças
descobertas em 1987 na região,
primeiro pelos huaqueros (saqueadores), depois pelos arqueólogos, numa dramática intervenção -que resultou em
morte e ameaças e está prestes
a virar filme em uma megaprodução espanhola.
O esforço de escavação e preservação, capitaneado quixotescamente pelo arqueólogo e
herói nacional Walter Alva,
conseguiu salvar duas das três
tumbas (leia na pág. F11). Trata-se de um épico com final feliz: a descoberta do Senhor de
Sipán, que viveu e morreu há
cerca de 1.700 anos, é considerada um dos maiores feitos da
arqueologia do século 20.
A riqueza da descoberta, expressa em trabalhos extremamente delicados em cerâmica,
ouro, prata e cobre, é tanta que
ocupa quase todos os três andares do museu, uma bela construção inspirada na arquitetura
moche (ou mochica).
A região ainda é pouco explorada pelos brasileiros, mas os
paulistanos terão em breve um
aperitivo: 30% da coleção visitará a Pinacoteca do Estado a
partir de 28 de outubro.
Localizado no final da chamada rota Moche, o Senhor de
Sipán é apenas a jóia da Coroa.
Para apresentar a região aos
leitores da Folha, este repórter
optou pela recompensadora,
mas algo temerária, opção de
alugar um carro em Lima para
conhecer as demais atrações da
região, que incluem Chan Chan
e as pirâmides do Sol e da Lua,
todas perto da cidade de Trujillo, a terceira maior do Peru.
Sem contar a união do imenso
deserto ao Pacífico.
Praticamente toda a viagem
é feita pela bem conservada e,
em vários trechos, belíssima
rodovia Panamericana, que
percorre o litoral peruano. As
paisagens são especialmente
bonitas a partir de Pativilca, a
cerca de 200 km de Lima,
quando é possível admirar, ao
mesmo tempo, as montanhas,
o deserto e o oceano Pacífico.
Mas, claro, o Peru fica no
Terceiro Mundo, e a estrada
tem problemas. O primeiro é a
confusa saída de Lima, que
provoca saudades da marginal
Tietê numa sexta de Carnaval à
tarde. Outro contratempo é
que a estrada corta ao meio várias cidades -todas congestionadas e muito feias e várias
com forte fedor de peixe. Nesses trechos, a Panamericana se
transforma em avenida, congestionada pelos triciclos, motos adaptadas que viram o ganha-pão dos desempregados.
E há os policiais. A reportagem foi abordada duas vezes
por supostas irregularidades e
duas vezes foi ameaçada de
perder a carteira de motorista
caso não deixasse uma "coima". Orientado por peruanos,
este repórter disse a frase mágica: "Como arreglamos eso?",
senha para a negociação descarada. O custo foi de 150 sóis novos (US$ 101) na ida e 100 sóis
novos (US$ 67,60) na volta.
Praia gelada
Com a exceção dos intrépidos surfistas em busca das ondas perfeitas da região, a sensação de um brasileiro numa
praia peruana deve ser parecida à de um alemão em Monte
Verde (MG): não convence.
Além de geladas, as águas do
Pacífico peruano batem em
hostis areias escuras, quando
não em pedras. Para piorar,
quase nunca faz chuva ou sol: o
onipresente céu cinzento é
chamado pelos peruanos de
"pança de burro".
Não é só a natureza que hostiliza. A falta de cuidado faz que
a praia de Huanchaco, um dos
principais balneários do norte,
se pareça com Copacabana depois do Ano Novo.
Abstraído da vontade de um
banho de mar, o turista se deparará com uma inusitada e bela combinação de um extenso
deserto montanhoso com o Pacífico. Em alguns lugares, como
o bem cuidado balneário Tortugas, o encontro surpreende
pela grande variação de cores.
O paradoxo da praia peruana
aumenta mais quando se visita
um bom restaurante. Famoso
por ter o mar mais piscoso do
mundo, o Peru oferece uma culinária sofisticada, tendo como
estrela principal o ceviche, peixe cru acompanhado de cebola,
abóbora e molho picante.
Tudo somado, o norte peruano é um claro enigma: ruínas de
ricas e vibrantes civilizações
antigas cercadas por tristes e
empobrecidas cidades, a seu
modo também em ruínas; quilômetros de deserto ao lado do
mar mais rico do mundo; e
areias sujas e água gelada que
emolduram ondas perfeitas.
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