São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

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ACHADOS PERUANOS

Rota confusa e corrupção policial são barreiras para chegar à região, onde fica tumba do Senhor de Sipán

Costa norte procura sua vocação em ruína arqueológica

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL AO NORTE DO PERU

Depois dos mochicas, dos chimús, dos incas, dos espanhóis, dos saqueadores e dos arqueólogos, é a vez dos turistas. Berço de culturas surgidas há mais de mil anos e surpreendentemente desenvolvidas, a ainda precária costa norte do Peru está rapidamente se transformando num dos principais destinos turísticos do país -no rastro de impressionantes descobertas recentes sobre as primeiras civilizações da América do Sul.
Embora tanto a natureza quanto os sítios arqueológicos não tenham a exuberância dos Andes e de Machu Picchu, há muito o que conhecer, no espírito de quem sabe ler um soneto de Quevedo pensando que foi escrito com uma pluma de ganso, como ensina Cabrera Infante. Se não é assim, Chan Chan, capital do Império Chimú e a maior cidade de barro do mundo, construída há cerca de 700 anos, parecerá mais uma gigante olaria abandonada -enquanto as dezenas de pirâmides serão apenas alguns montes de terra.
Apesar dos vários sítios arqueológicos, a principal estrela do norte é o Museu Tumbas Reales de Sipán, na cidade de Lambayeque, a cerca de 760 km de Lima. Do mesmo nível de grandes museus mundiais, é inteiramente dedicado às peças descobertas em 1987 na região, primeiro pelos huaqueros (saqueadores), depois pelos arqueólogos, numa dramática intervenção -que resultou em morte e ameaças e está prestes a virar filme em uma megaprodução espanhola.
O esforço de escavação e preservação, capitaneado quixotescamente pelo arqueólogo e herói nacional Walter Alva, conseguiu salvar duas das três tumbas (leia na pág. F11). Trata-se de um épico com final feliz: a descoberta do Senhor de Sipán, que viveu e morreu há cerca de 1.700 anos, é considerada um dos maiores feitos da arqueologia do século 20.
A riqueza da descoberta, expressa em trabalhos extremamente delicados em cerâmica, ouro, prata e cobre, é tanta que ocupa quase todos os três andares do museu, uma bela construção inspirada na arquitetura moche (ou mochica).
A região ainda é pouco explorada pelos brasileiros, mas os paulistanos terão em breve um aperitivo: 30% da coleção visitará a Pinacoteca do Estado a partir de 28 de outubro.
Localizado no final da chamada rota Moche, o Senhor de Sipán é apenas a jóia da Coroa. Para apresentar a região aos leitores da Folha, este repórter optou pela recompensadora, mas algo temerária, opção de alugar um carro em Lima para conhecer as demais atrações da região, que incluem Chan Chan e as pirâmides do Sol e da Lua, todas perto da cidade de Trujillo, a terceira maior do Peru. Sem contar a união do imenso deserto ao Pacífico.
Praticamente toda a viagem é feita pela bem conservada e, em vários trechos, belíssima rodovia Panamericana, que percorre o litoral peruano. As paisagens são especialmente bonitas a partir de Pativilca, a cerca de 200 km de Lima, quando é possível admirar, ao mesmo tempo, as montanhas, o deserto e o oceano Pacífico.
Mas, claro, o Peru fica no Terceiro Mundo, e a estrada tem problemas. O primeiro é a confusa saída de Lima, que provoca saudades da marginal Tietê numa sexta de Carnaval à tarde. Outro contratempo é que a estrada corta ao meio várias cidades -todas congestionadas e muito feias e várias com forte fedor de peixe. Nesses trechos, a Panamericana se transforma em avenida, congestionada pelos triciclos, motos adaptadas que viram o ganha-pão dos desempregados.
E há os policiais. A reportagem foi abordada duas vezes por supostas irregularidades e duas vezes foi ameaçada de perder a carteira de motorista caso não deixasse uma "coima". Orientado por peruanos, este repórter disse a frase mágica: "Como arreglamos eso?", senha para a negociação descarada. O custo foi de 150 sóis novos (US$ 101) na ida e 100 sóis novos (US$ 67,60) na volta.

Praia gelada
Com a exceção dos intrépidos surfistas em busca das ondas perfeitas da região, a sensação de um brasileiro numa praia peruana deve ser parecida à de um alemão em Monte Verde (MG): não convence. Além de geladas, as águas do Pacífico peruano batem em hostis areias escuras, quando não em pedras. Para piorar, quase nunca faz chuva ou sol: o onipresente céu cinzento é chamado pelos peruanos de "pança de burro".
Não é só a natureza que hostiliza. A falta de cuidado faz que a praia de Huanchaco, um dos principais balneários do norte, se pareça com Copacabana depois do Ano Novo.
Abstraído da vontade de um banho de mar, o turista se deparará com uma inusitada e bela combinação de um extenso deserto montanhoso com o Pacífico. Em alguns lugares, como o bem cuidado balneário Tortugas, o encontro surpreende pela grande variação de cores.
O paradoxo da praia peruana aumenta mais quando se visita um bom restaurante. Famoso por ter o mar mais piscoso do mundo, o Peru oferece uma culinária sofisticada, tendo como estrela principal o ceviche, peixe cru acompanhado de cebola, abóbora e molho picante.
Tudo somado, o norte peruano é um claro enigma: ruínas de ricas e vibrantes civilizações antigas cercadas por tristes e empobrecidas cidades, a seu modo também em ruínas; quilômetros de deserto ao lado do mar mais rico do mundo; e areias sujas e água gelada que emolduram ondas perfeitas.


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