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ACHADOS PERUANOS
Walter Alva, diretor do museu, explica como será a exposição em SP, com o acervo da cultura mochica
Tesouro de Sipán é ícone nacional, diz arqueólogo
DO ENVIADO ESPECIAL A LAMBAYEQUE
Líder de uma pequena equipe responsável pela descoberta
e preservação do Senhor de Sipán, Walter Alva, arqueólogo e
diretor do Museu Tumbas Reales de Sipán
(www.tumbasreales.org), se converteu em herói
nacional ao enfrentar saqueadores e a indiferença do Estado
para manter o acervo protegido e, em 2002, abri-lo ao público.
A dramática história envolve
conflitos com os saqueadores,
ameaças de morte, uma longa
campanha internacional de arrecadação de fundos para construir o museu e agora será
transformada em filme por
uma produtora espanhola. A
proposta, orçada em milhões
de euros, é contar duas histórias paralelas, mostrando como
vivia o povo mochica, que dominou a região até 1.500 anos
atrás, e recontando como o Senhor de Sipán foi encontrado.
Nesta entrevista à Folha,
concedida em seu escritório
dentro do museu, Alva explica
como será a exposição na Pinacoteca do Estado, que receberá
30% do acervo de seu museu
entre 28 de outubro e 31 de dezembro, e defende que os artefatos peruanos em museus brasileiros -e que devem complementar a mostra paulistana-
sejam devolvidos por terem
saído ilegalmente do seu país.
(FABIANO MAISONNAVE)
FOLHA - O que os brasileiros verão
na mostra?
WALTER ALVA - A exposição que
chegará à Pinacoteca de São
Paulo gira em torno de dois temas. O primeiro: o mundo da
cultura mochica, uma cultura
pré-incaica que se desenvolveu
na costa norte do Peru entre os
séculos 1º e 6º, mais de mil anos
antes de os incas conquistarem
essas terras. O segundo tema
principal é o descobrimento da
tumba de Sipán. Esses dois
grandes temas terão outros
subtemas. No caso da cultura
mochica, haverá uma primeira
visão que permitirá aos brasileiros conhecer todo o processo
narrativo da cultura peruana
de uma maneira muito breve
para depois diferenciar o que
são as culturas pré-incaicas, desenvolvidas antes do famoso
império dos incas, que ocupou
grande parte do continente sul-americano. Essa exposição
apresentará, no primeiro tema,
uma coleção de cerâmica procedente do Museu Nacional de
Arqueologia, Antropologia e
História de Lima e uma boa
parte procedente de coleções
privadas brasileiras, com cerâmicas de ótima qualidade. As
peças que deveremos mostrar
da cultura de Sipán deverão representar 30% do que foi descoberto nesse extraordinário
monumento.
Sipán, encontrado em 1987,
foi um dos descobrimentos arqueológicos mais importantes
do século 20 porque foi a primeira vez que se encontrou a
tumba intacta de um governante do antigo Peru. O que se encontrou foi um impressionante
conjunto de adornos, jóias, emblemas, trajes rituais, que esse
personagem usou em vida e foram sepultados com ele no momento de sua morte e que permitiram reconstruir o que foi a
cultura mochica, uma das mais
importantes da América.
FOLHA - Como a descoberta do Senhor de Sipán mudou o seu trabalho
e a sua vida?
ALVA - Trabalho nesta região
há 30 anos. Sipán, pelo impacto
e pela singularidade, foi o que
saiu à luz e teve uma difusão
mundial muito grande. A imprensa o qualificou como o Tutancamon das Américas. Mas
no plano profissional mudou a
nossa dedicação sobre tudo. A
partir desse descobrimento, tivemos de nos dedicar exclusivamente a Sipán por muitos
anos e tivemos de assumir a
responsabilidade de realizar o
descobrimento arqueológico e
restaurar os objetos para salvá-los da destruição. Somente a
tumba do Senhor de Sipán tinha mais de 600 objetos de metal e mais de mil vasilhas. E, depois, lutar contra o tráfico de
bens culturais. Quando começamos Sipán, o local estava sendo destruído. Tivemos de realizar uma operação dramática e,
obviamente, desenvolver uma
estratégia para lutar contra o
tráfico. Conseguiu-se um convênio bilateral com os EUA para proteger o lugar e evitar que
peças fossem para lá. E finalmente a quarta grande tarefa
era o que fazer com as peças arqueológicas, um tesouro nacional. Nossa preocupação era cuidar para que isso não terminasse de repente num museu em
Lima. Assumimos a idéia de
construir um grande museu.
Após sete anos, conseguimos
inaugurar o museu em 2002.
FOLHA - Como o museu de Sipán mudou a região?
ALVA - Lambayeque nem figurava como destino turístico no
Peru; as pessoas só iam a Trujillo ver Chan Chan. Com Sipán,
começou a haver interesse. O
museu recebe, em média 140
mil visitantes por ano. O Senhor de Sipán se transformou
num ícone regional e nacional.
FOLHA - O Peru está novamente
cercado de expectativa com o recente descobrimento da Senhora de
Cao. Qual é a sua importância?
ALVA - Com Sipán, o interesse
pela cultura mochica foi revitalizado. Agora, se descobriu, em
El Brujo [leia na pág. F12], a Senhora de Cao, que muda muito,
pois, em Sipán, não havia uma
tumba de uma mulher de status. Até então, pensávamos que
era uma sociedade patriarcal,
mas, com essa mulher, se encontram armas, símbolos de
hierarquia, não só de uso militar mas também símbolos de
poder. Isso significa que as mulheres tiveram muito poder
dentro da sociedade mochica.
FOLHA - As peças da cultura mochica hoje em coleções particulares
brasileiras e que estarão na Pinacoteca saíram legalmente do Peru?
ALVA - Uma grande parte das
peças que estão no Brasil foi adquirida há mais de 30 anos,
quando não existia nenhum
convênio entre os dois países.
Os traficantes de obras de arte
geralmente colocavam no mercado para que os colecionadores pudessem comprar. Então, não é legal, porque no Peru,
desde o começo da República,
não está permitida a exportação de material arqueológico a
nenhum país. Tudo o que está
em todos os museus do mundo
vindo do Peru está ilegal.
FOLHA - As peças de coleções brasileiras deveriam ser devolvidas?
ALVA - É um tema delicado.
Tudo o que foi extraído de forma não-arqueológica é ilegal.
Por outro lado, há uma contradição. A lei peruana proíbe o saque, mas permite a posse em
coleções privadas. Essa primeira contradição é o que permite
a criação de coleções em outros
países. O ilegal é a saída do Peru
desses objetos.
FOLHA - Como está o problema dos
saques?
ALVA - Foi possível frear um
pouco. O que falta é conscientização. Um objeto arqueológico
não é uma obra de arte, é um
bem de uma nação e um objeto
sagrado de uma cultura, que
tem uma importância para seu
país e é importante como símbolo, e não como obra de arte.
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