São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

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ACHADOS PERUANOS

Walter Alva, diretor do museu, explica como será a exposição em SP, com o acervo da cultura mochica

Tesouro de Sipán é ícone nacional, diz arqueólogo

DO ENVIADO ESPECIAL A LAMBAYEQUE

Líder de uma pequena equipe responsável pela descoberta e preservação do Senhor de Sipán, Walter Alva, arqueólogo e diretor do Museu Tumbas Reales de Sipán (www.tumbasreales.org), se converteu em herói nacional ao enfrentar saqueadores e a indiferença do Estado para manter o acervo protegido e, em 2002, abri-lo ao público. A dramática história envolve conflitos com os saqueadores, ameaças de morte, uma longa campanha internacional de arrecadação de fundos para construir o museu e agora será transformada em filme por uma produtora espanhola. A proposta, orçada em milhões de euros, é contar duas histórias paralelas, mostrando como vivia o povo mochica, que dominou a região até 1.500 anos atrás, e recontando como o Senhor de Sipán foi encontrado. Nesta entrevista à Folha, concedida em seu escritório dentro do museu, Alva explica como será a exposição na Pinacoteca do Estado, que receberá 30% do acervo de seu museu entre 28 de outubro e 31 de dezembro, e defende que os artefatos peruanos em museus brasileiros -e que devem complementar a mostra paulistana- sejam devolvidos por terem saído ilegalmente do seu país. (FABIANO MAISONNAVE)  

FOLHA - O que os brasileiros verão na mostra?
WALTER ALVA
- A exposição que chegará à Pinacoteca de São Paulo gira em torno de dois temas. O primeiro: o mundo da cultura mochica, uma cultura pré-incaica que se desenvolveu na costa norte do Peru entre os séculos 1º e 6º, mais de mil anos antes de os incas conquistarem essas terras. O segundo tema principal é o descobrimento da tumba de Sipán. Esses dois grandes temas terão outros subtemas. No caso da cultura mochica, haverá uma primeira visão que permitirá aos brasileiros conhecer todo o processo narrativo da cultura peruana de uma maneira muito breve para depois diferenciar o que são as culturas pré-incaicas, desenvolvidas antes do famoso império dos incas, que ocupou grande parte do continente sul-americano. Essa exposição apresentará, no primeiro tema, uma coleção de cerâmica procedente do Museu Nacional de Arqueologia, Antropologia e História de Lima e uma boa parte procedente de coleções privadas brasileiras, com cerâmicas de ótima qualidade. As peças que deveremos mostrar da cultura de Sipán deverão representar 30% do que foi descoberto nesse extraordinário monumento. Sipán, encontrado em 1987, foi um dos descobrimentos arqueológicos mais importantes do século 20 porque foi a primeira vez que se encontrou a tumba intacta de um governante do antigo Peru. O que se encontrou foi um impressionante conjunto de adornos, jóias, emblemas, trajes rituais, que esse personagem usou em vida e foram sepultados com ele no momento de sua morte e que permitiram reconstruir o que foi a cultura mochica, uma das mais importantes da América.

FOLHA - Como a descoberta do Senhor de Sipán mudou o seu trabalho e a sua vida?
ALVA
- Trabalho nesta região há 30 anos. Sipán, pelo impacto e pela singularidade, foi o que saiu à luz e teve uma difusão mundial muito grande. A imprensa o qualificou como o Tutancamon das Américas. Mas no plano profissional mudou a nossa dedicação sobre tudo. A partir desse descobrimento, tivemos de nos dedicar exclusivamente a Sipán por muitos anos e tivemos de assumir a responsabilidade de realizar o descobrimento arqueológico e restaurar os objetos para salvá-los da destruição. Somente a tumba do Senhor de Sipán tinha mais de 600 objetos de metal e mais de mil vasilhas. E, depois, lutar contra o tráfico de bens culturais. Quando começamos Sipán, o local estava sendo destruído. Tivemos de realizar uma operação dramática e, obviamente, desenvolver uma estratégia para lutar contra o tráfico. Conseguiu-se um convênio bilateral com os EUA para proteger o lugar e evitar que peças fossem para lá. E finalmente a quarta grande tarefa era o que fazer com as peças arqueológicas, um tesouro nacional. Nossa preocupação era cuidar para que isso não terminasse de repente num museu em Lima. Assumimos a idéia de construir um grande museu. Após sete anos, conseguimos inaugurar o museu em 2002.

FOLHA - Como o museu de Sipán mudou a região?
ALVA
- Lambayeque nem figurava como destino turístico no Peru; as pessoas só iam a Trujillo ver Chan Chan. Com Sipán, começou a haver interesse. O museu recebe, em média 140 mil visitantes por ano. O Senhor de Sipán se transformou num ícone regional e nacional.

FOLHA - O Peru está novamente cercado de expectativa com o recente descobrimento da Senhora de Cao. Qual é a sua importância?
ALVA
- Com Sipán, o interesse pela cultura mochica foi revitalizado. Agora, se descobriu, em El Brujo [leia na pág. F12], a Senhora de Cao, que muda muito, pois, em Sipán, não havia uma tumba de uma mulher de status. Até então, pensávamos que era uma sociedade patriarcal, mas, com essa mulher, se encontram armas, símbolos de hierarquia, não só de uso militar mas também símbolos de poder. Isso significa que as mulheres tiveram muito poder dentro da sociedade mochica.

FOLHA - As peças da cultura mochica hoje em coleções particulares brasileiras e que estarão na Pinacoteca saíram legalmente do Peru?
ALVA
- Uma grande parte das peças que estão no Brasil foi adquirida há mais de 30 anos, quando não existia nenhum convênio entre os dois países. Os traficantes de obras de arte geralmente colocavam no mercado para que os colecionadores pudessem comprar. Então, não é legal, porque no Peru, desde o começo da República, não está permitida a exportação de material arqueológico a nenhum país. Tudo o que está em todos os museus do mundo vindo do Peru está ilegal.

FOLHA - As peças de coleções brasileiras deveriam ser devolvidas?
ALVA
- É um tema delicado. Tudo o que foi extraído de forma não-arqueológica é ilegal. Por outro lado, há uma contradição. A lei peruana proíbe o saque, mas permite a posse em coleções privadas. Essa primeira contradição é o que permite a criação de coleções em outros países. O ilegal é a saída do Peru desses objetos.

FOLHA - Como está o problema dos saques?
ALVA
- Foi possível frear um pouco. O que falta é conscientização. Um objeto arqueológico não é uma obra de arte, é um bem de uma nação e um objeto sagrado de uma cultura, que tem uma importância para seu país e é importante como símbolo, e não como obra de arte.


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