São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2007

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NORDESTE

Barcos se guiam pela mudança das marés

Mudanças acontecem quatro vezes ao dia, e a diferença entre a cheia e a vazante chega a oscilar 8 metros

DA ENVIADA ESPECIAL AO MARANHÃO

Pescador ou não, todo maranhense acaba aprendendo um pouco sobre o movimento das águas. É que a maré muda quatro vezes ao longo do dia -e tão drasticamente que chega a oscilar oito metros entre a cheia e a vazante. Quando o rio está baixo, é possível caminhar quase dois quilômetros por lugares normalmente submersos. Por isso, nada de cinco minutos de lambuja na cama: os passeios de barco respeitam as marés.
Josias Brandão, 38, já se acostumou a essa rotina. Pescador desde criança, sabe que, se sair depois das 9h do porto de Tutóia (MA), terá dificuldade para chegar de barco às ilhotas mais distantes do delta das Américas. "Se atrasar, acabo encalhado em algum lugar."
Enquanto atravessa o rio Preguiças em busca da foz, ele fala sobre o consumo de maconha nas embarcações que vão para alto-mar. Vários guias comentam veladamente sobre essa prática e chegam a descrever detalhes, como o hábito de fritar as folhas em uma frigideira, para deixar a erva seca. "Nunca usei nem vi usarem, mas deve ter quem use, sim. O barco fica dois, três meses sem atracar. Tem gente que pira..."
Quando o assunto é pesca predatória, no entanto, ele não poupa comentários. "Sou o cara mais chato que tem por aqui, ligo todo dia para a prefeitura para denunciar rede de arrasto. O mar é meu sustento, se eu não brigar por ele, ninguém briga."
Toda vez que passa pelo mangue, ele observa os barcos de catadores, cada vez em menor quantidade. Segundo ele, isso acontece porque o catador não respeita o ciclo de reprodução do crustáceo. "Quem cata 150 caranguejos num dia, enfiando o braço no mangue, na época de acasalamento pega 500. Eles ficam na superfície, dando bobeira" lamenta. "Por isso que eu trago meus filhos para o mar sempre que posso. Daqui a pouco, acabou tudo."
O saber de Josias é esse. "Da escola não sei quase nada." Danado mesmo é com as contas. "Um quilo de camarão custa de R$ 5 a R$ 6; se for do branco, chega a R$ 8. Peixe é mais barato, um quilo de espada sai por R$ 1 direto para o atravessador que, mal o barco volta do mar, já coloca a mão no peixe."
Um comerciante do Ceará chega a comprar 120 mil caranguejos por semana. "Maranhense nem sabe o que é caranguejo." Se o mar estiver generoso, Josias consegue tirar entre R$ 300 e R$ 400 por mês, o que, com o salário de professora da mulher, dá apertado para manter os dois filhos. A rede de pesca custa uns R$ 2 mil. "Imagina quanto peixe e camarão eu tenho de pescar para comprar uma rede da simplezinha."
Às 17h, o pôr-do-sol tinge as nuvens com cores psicodélicas. A maré continua baixa, o que obriga Josias a manter o barco a cem metros do mangue. Desliga o motor e espera os guarás surgirem para um último lanche, mas os célebres pássaros vermelhos, nesse dia, resolvem comer em outras praças. "Agora que são estrelas, ficam fazendo doce", brinca Josias. (CC)


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