|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NORDESTE
Barcos se guiam pela mudança das marés
Mudanças acontecem quatro vezes ao dia, e a diferença entre a cheia e a vazante chega a oscilar 8 metros
DA ENVIADA ESPECIAL AO MARANHÃO
Pescador ou não, todo maranhense acaba aprendendo um
pouco sobre o movimento das
águas. É que a maré muda quatro vezes ao longo do dia -e tão
drasticamente que chega a oscilar oito metros entre a cheia e
a vazante. Quando o rio está
baixo, é possível caminhar quase dois quilômetros por lugares
normalmente submersos. Por
isso, nada de cinco minutos de
lambuja na cama: os passeios
de barco respeitam as marés.
Josias Brandão, 38, já se
acostumou a essa rotina. Pescador desde criança, sabe que, se
sair depois das 9h do porto de
Tutóia (MA), terá dificuldade
para chegar de barco às ilhotas
mais distantes do delta das
Américas. "Se atrasar, acabo
encalhado em algum lugar."
Enquanto atravessa o rio
Preguiças em busca da foz, ele
fala sobre o consumo de maconha nas embarcações que vão
para alto-mar. Vários guias comentam veladamente sobre essa prática e chegam a descrever
detalhes, como o hábito de fritar as folhas em uma frigideira,
para deixar a erva seca. "Nunca
usei nem vi usarem, mas deve
ter quem use, sim. O barco fica
dois, três meses sem atracar.
Tem gente que pira..."
Quando o assunto é pesca
predatória, no entanto, ele não
poupa comentários. "Sou o cara
mais chato que tem por aqui, ligo todo dia para a prefeitura para denunciar rede de arrasto. O
mar é meu sustento, se eu não
brigar por ele, ninguém briga."
Toda vez que passa pelo
mangue, ele observa os barcos
de catadores, cada vez em menor quantidade. Segundo ele,
isso acontece porque o catador
não respeita o ciclo de reprodução do crustáceo. "Quem cata
150 caranguejos num dia, enfiando o braço no mangue, na
época de acasalamento pega
500. Eles ficam na superfície,
dando bobeira" lamenta. "Por
isso que eu trago meus filhos
para o mar sempre que posso.
Daqui a pouco, acabou tudo."
O saber de Josias é esse. "Da
escola não sei quase nada." Danado mesmo é com as contas.
"Um quilo de camarão custa de
R$ 5 a R$ 6; se for do branco,
chega a R$ 8. Peixe é mais barato, um quilo de espada sai por
R$ 1 direto para o atravessador
que, mal o barco volta do mar,
já coloca a mão no peixe."
Um comerciante do Ceará
chega a comprar 120 mil caranguejos por semana. "Maranhense nem sabe o que é caranguejo." Se o mar estiver generoso, Josias consegue tirar entre
R$ 300 e R$ 400 por mês, o que,
com o salário de professora da
mulher, dá apertado para manter os dois filhos. A rede de pesca custa uns R$ 2 mil. "Imagina
quanto peixe e camarão eu tenho de pescar para comprar
uma rede da simplezinha."
Às 17h, o pôr-do-sol tinge as
nuvens com cores psicodélicas.
A maré continua baixa, o que
obriga Josias a manter o barco
a cem metros do mangue. Desliga o motor e espera os guarás
surgirem para um último lanche, mas os célebres pássaros
vermelhos, nesse dia, resolvem
comer em outras praças. "Agora que são estrelas, ficam fazendo doce", brinca Josias.
(CC)
Texto Anterior: Bumba-meu-boi acaba em setembro Próximo Texto: Mesa reflete o encontro do mar com o sertão Índice
|