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São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2003

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OLHA O PASSARINHO

Artista plástica observa animais nos seus habitats para retratar seu jeito antes que sejam extintos

Lápis pode traçar último registro de bichos

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Angela Leite em seu ateliê, onde estuda os animais que quer desenhar em livros de zoologia


HELOISA HELENA LUPINACCI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Há 30 anos, Angela Leite desenha a fauna brasileira. A artista observa os bichos em seu próprio habitat, por isso viaja para encontrá-los onde estiverem, como Minas Gerais ou a Juréia, sul do Estado de São Paulo. Desde 1995, ela começou a desenhar também árvores, o que a levou para a mata dos pinhais, na região Sul.
Ilustradores viajam pelo país para registrar sua natureza desde o século 17, quando os holandeses Frans Post (1612-1680) e Albert Ekhout (1610-1666) a pincelaram.
Já no século 19, expedições científicas rumavam da Europa para a América para desvendar a natureza do continente. Uma das mais conhecidas foi organizada pelo barão de Langsdorff (1774-1852), que fez um levantamento da fauna e da flora brasileiras no interior do país de 1825 a 1829.
Da mesma forma que esses artistas deixaram para a posteridade cenários atualmente inexistentes, Angela Leite pode ser responsável pelo último registro de determinados animais e plantas do país, já que muitas espécies por ela desenhadas estão ameaçadas de extinção. Por isso faz questão de reproduzir o jeito de cada animal antes que ele suma. Como ela conta a seguir.

AMIZADE - "Desenhar animais vem de quando eu era pequena. Eu tinha mania com bicho. Passava as férias com os cavalos e as galinhas, tinha uma amizade especial com perus e pássaros. Minha infância foi no Rio de Janeiro, mas a família da minha mãe se espalhou. E, nas férias, íamos para cidades em volta do Rio para reunir todo mundo."

MÉTODO - "Quando quero desenhar um animal e tenho a opção, vou ao lugar onde posso vê-lo na natureza. Quando isso não é possível, tento encontrá-lo em algum zoológico, como em uma série que fiz sobre onças. Me avisaram que uma onça de Foz do Iguaçu (PR) estava indo para Sorocaba. Sabiam que ela poderia ser morta, pois estava chegando perto de um hotel. Corri para lá para ver a onça ainda com o jeito de selvagem, que elas perdem logo. As onças do zôo de São Paulo são gatões. A partir delas não dá para transmitir, em um desenho, o seu jeito."

DIFICULDADES - "De um modo geral, para quem vai observar a natureza, é difícil ver bichos em detalhes. Mas é possível trabalhar procurando traços, com fotos ou outras soluções. Aqui, no Brasil, há o pato selvagem, ou pato-bravo. Ele cruzou com o asiático, aquele branco, e virou o pato doméstico. Mas, no parque do Ibirapuera, aqueles patos com a crista vermelha e o corpo iridescente, verde e preto, com manchas brancas, são patos domésticos, com a roupagem do pato-bravo. Fui lá para desenhá-los. O importante é transmitir o jeito do bicho."

JURÉIA - "Fizemos, um grupo de artistas, uma mostra em defesa da reserva da Juréia. Vimos pinguins, desses que pegam a corrente errada, esgotados, às vezes com o corpo coberto de óleo. Eles recebem uma superalimentação para que tenham forças para voltar para casa. Desenhei o pinguim e fiz uma série de desenhos com as conchas da Juréia."

PARQUE DO RIO DOCE (MG) - "Lá tem duas espécies de papagaios ameaçadas de extinção. Não era a época certa para observá-los, mas vimos o ambiente em que eles vivem. Vimos seriema e cutia. As cutias chegam perto das casas, mas as pessoas não as matam, pois querem preservar o local. Vimos um bando de macacos-pregos que aparecia bem perto da casa em que ficamos. Havia corujas, bacuraus."

PANTANAL - "Há locais no Brasil em que observar animais é facílimo. Por exemplo, o Pantanal é tecnicolor. Eu nunca estive lá, mas é o tipo de viagem que você senta e vê um desfile de tuiuiús e gaviões-caramujeiros. O Pantanal é recomendável para uma viagem de observação, pois lá os bichos se expõem, não têm medo do homem. Principalmente as aves. Lá dá para chegar perto dos ninhais."

BAHIA E ESPÍRITO SANTO - "Estou estudando o ouriço-preto, que existia do Nordeste até o Rio, mas que agora só existe no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo. Eu não posso ir até o sul da Bahia vê-lo e eles são muito raros. Mas eu já desenhei vários primos dele. Esse ouriço é um tipo de elo perdido entre o ouriço-cacheiro e o rato-de-espinho. Descobri que ele descansa na patioba, uma palmeira. E há algum tempo eu plantei 500 palmeiras no sítio de um amigo, entre elas a patioba, para ajudar a salvar as espécies e os animais que vivem do coquinho, como araras, papagaios e periquitos. Então, eu peguei um bicho de pelúcia, fui até o sítio e o coloquei na palmeira para tentar imaginar como o ouriço-preto fica encarapitado ali."

GOIÁS - "Estou indo para lá ver um capim que dá no parque do Araguaia. Estou fazendo um desenho com uma onça daquela região, que é mais cabeçuda, uma macaúba e um papagaio-galego. Mas falta o capim. E agora é a época que esse capim floresce."

MATA DOS PINHAIS - "Depois de 30 anos desenhando animais, fiz uma série de árvores. O trabalho era retratar as espécies em extinção de Campos do Jordão para o Grande Hotel Senac. Fui à mata dos pinhais, na região Sul do país. Tirei fotos de exemplares da mesma espécie e obtive as características de cada árvore, chegando a um desenho ideal. Foi um desafio desenhar plantas."


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