São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2008

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DE VOLTA AO FUTURO

Urbanização planejada da ilha remonta ao século 19

Com casas de madeira vindas dos EUA, balneário foi aberto em 1893; prédios foram demolidos nos anos 60

DO ENVIADO ESPECIAL AO GUARUJÁ

Para Geraldo Anhaia Mello, 53, que organizou um pequeno e interessante museu de fotos no edifício Sobre-As-Ondas, na divisa entre as praias das Pitangueiras e das Astúrias, o local desse prédio marca a passagem estreita que seria a "guaru-yá".
Justamente ali, nessa passagem onde ficavam grandes rochas chamadas de Sala de Pedras, segundo Anhaia Mello, o alemão Hans Staden teria escapado de ser comido por canibais num ritual antropofágico (veja texto à pág. F8).
Verdade ou imaginação fértil, o arcabuzeiro virou escritor, empreendendo duas viagens ao Brasil e legando à historiografia tupiniquim um livro, publicado na Alemanha em 1557, um trabalho único sobre os primórdios da colonização do Brasil.
Mas, de acordo com documentos de época, a ilha já era bem conhecida dos colonizadores portugueses antes disso: foi doada, em 1534, pelo rei d. João 2º, a Martim Afonso de Sousa, que desembarcou na sua capitania hereditária trazendo entre os tripulantes seu irmão Pero Lopes de Sousa.
Outra referência ao Guarujá anterior ao livro de Staden data de 1554, quando o genovês José Adorno edificou uma capela dedicada a Santo Amaro, em cuja alusão a ilha onde hoje fica a cidade balneária foi então denominada.
Além do nome Guarujá, o termo indígena Guaibê, cuja etimologia deve ter relação com "separada" e "cortada", também serviu para denominar a ilha de Santo Amaro nos primórdios da colonização, o que mostraria que, entre os habitantes nativos, havia a intuição de que o local era uma ilha.
Por volta de 1540, os portugueses Jorge Ferreira e Estevão da Costa estavam entre os primeiros povoadores do Guarujá e, cinco anos depois, já havia no local um engenho de cana-de-açúcar cujos proprietários eram Gonçalo Afonso e Manoel de Oliveira, o Gago.

O nascimento do balneário
Mas o Guarujá, talvez o primeiro conjunto urbano brasileiro planejado, remonta a 1892. Foi então que chegaram ao porto de Santos as primeiras partes de casas pré-fabricadas em Rhode Island, nos EUA.
Por trás da empreitada estavam Elias Chaves, Elias Fausto Pacheco Jordão, Valêncio Teixeira Leomil e a idéia de construir um balneário elegante, com traçados regulares para as ruas, grande hotel e cassino, à semelhança do que ocorria na época na Riviera Francesa.
Quatrocentão nascido em Rio Claro (SP), Pacheco Jordão é quem tinha na cabeça a idéia de um balneário europeizado.
Ainda que a companhia tenha sido adquirida, depois, pelo financista norte-americano Percival Farquhar, foi dele a idéia bem-sucedida de implantar um balneário com jogo e finesses que atraíram a burguesia paulista, os turistas estrangeiros e até mesmo figuras internacionais como o inventor Alberto Santos Dumont (leia mais na pág. F9).
Concluído em dez meses, o elegante balneário foi aberto em 1893 -e fotos de época documentam estruturas imponentes, ainda que de madeira. Um bangalô de pinho da Geórgia, da primeira leva de 46 chalés de luxo da era da implantação do Guarujá, ficou de pé até os anos 1960, na rua Mário Ribeiro, diante do hotel Ferrareto. E, para trazer turistas, os empreendedores também construíram uma pequena estrada de ferro turística.
Uma das locomotivas, da marca Baldwin, ainda está exposta num singelo nicho envidraçado na esquina das avenidas Puglisi e Leomil, onde também há um busto de Elisas Pacheco Jordão.
No lado oposto da mesma esquina, na rua que antigamente era chamada de "rua do canal", está o carro funerário que levou os despojos do inventor Alberto Santos Dumont, que teria cometido suicídio num quarto do Grand Hôtel La Plage, em 1932.

Tempos modernos
No início, as ruas do centro, diante da praia das Pintangueiras, tinham nomes diferentes dos atuais. A rua Hans Staden, defronte à praia das Pitangueiras, se tornou a rua Marechal Deodoro; a rua Cunhambebe, primeira paralela, foi rebatizada e se tornou a rua Mário Ribeiro. E, justamente na quadra formada por essas paralelas e pelas transversais Petrópolis e Cavalheiro Nami Jafet, ficava o hotel construído em 1898 e demolido em 1910.
Nesse mesmo local, diante das Pitangueiras e da ilha Pombeva, onde hoje está o shopping La Plage e, no passado, foi o clube da Orla, foi construído o Grande Hôtel La Plage, esse demolido nos anos 1960.
Fotos antigas mostram esse conjunto requintado, projeto do escritório Ramos de Azevedo, inaugurado em 1912. Sua piscina em forma de ameba, aterrada na implantação do shopping, foi, aliás, a piscina do extinto clube da Orla.
A história desse outro hotel grandioso se entrelaça com a do controvertido financista norte-americano Percival Farquhar (leia à pág. F7), que, no início do século 20, virou o proprietário da companhia do balneário.
Numa fase mais contemporânea, o Guarujá teve entre seus líderes comunitários um padre italiano, dom Domênico Rangoni, que angariou, nos anos 1950 e 1960, doações para concluir a igreja Nossa Senhora de Fátima e construir, entre outras obras sociais ainda hoje importantes para a população guarujaense, o hospital Santo Amaro. (SILVIO CIOFFI)


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