São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

DE VOLTA AO FUTURO

Titã apregoava o requinte à mesa

Em 1912, financista dos EUA fez o Grand Hôtel La Plage e dizia que país carecia de hotéis e chefs chiques

DO ENVIADO ESPECIAL AO GUARUJÁ

O império de Percival Farquhar (1864-1953), quem diria, também tinha um pezinho nas areias do Guarujá. Esse titã das finanças nascido em York, na Inglaterra, e morto em Nova York, nos EUA, foi um capitalista controvertido e globalizado, cujos interesses incluíam estradas de ferro, mineração, companhias geradoras de eletricidade, portos, serrarias e frigoríficos em locais tão díspares como Brasil, EUA, Cuba, Guatemala e Rússia -país em que negociava pessoalmente seus interesses com o líder revolucionário soviético Lênin.
No Guarujá, Farquhar edificou, a partir de 1911, o Grand Hôtel La Plage. Chamou o mais prestigioso escritório construtor da época, Ramos de Azevedo, e, em 1912, inaugurou seu luxuoso hotel, que contava com 220 apartamentos.
Filho da elite, formado em engenharia pela universidade de Yale e em direito em Nova York, descendente de uma pioneira família quaker que colonizou os EUA, Farquhar dizia que "nenhum país do mundo pode se desenvolver sem contar com bons hotéis e cozinheiros refinados".
Foi por isso que, além de edificar um grande hotel no Guarujá, na região do atual shopping La Plage, o sagaz e polêmico empresário norte-americano -que os detratores achavam ser um especulador ávido demais- trouxe para o Brasil o chef parisiense Henri Galon e inaugurou, na época, em São Paulo, a Rotisserrie Sportsman.

Guarujá muda de mãos
A saga guarujaense de Percival Farquhar teve início quando ele adquiriu a firma Prado, Chaves & Cia., empresa que havia planejado a cidade balneária e controlava, desde 1892, a Companhia Balneária de Santo Amaro, cujo acionista majoritário era o conselheiro Antônio da Silva Prado.
Com o escopo de gerir o turismo e o cassino no balneário, a empresa de Farquhar passou a ser a Companhia Guarujá.
Em um ano, onde antes havia outro hotel que pegou fogo, estava concluído o Grand Hôtel La Plage, um imponente conjunto de quatro prédios de três e quatro andares que, arrojado para a época, tinha elevadores. Todos os quartos tinham banheiras duplas com água quente e aparelhos telefônicos, novidades no início do século 20. O pavilhão para banhistas tinha uma centena de cabines, aparelhos suecos para fazer ginástica, canteiros ajardinados e um pequeno zôo.
Tido por megalômano, nessa época Farquhar era considerado o maior investidor privado no Brasil. Como atuava em infra-estrutura, sua fortuna, é verdade, estava ligada a créditos e concessões governamentais, como também a recursos investidos por capitalistas e especuladores estrangeiros.
Quando a guerra nos Bálcãs se intensificou, em 1913, e eclodiu na Europa a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o dinheiro dos financistas estrangeiros parou de chegar -e seu império fez água. Algumas empresas pediram concordata, e ele, que havia especulado na bolsa com papéis sem muito lastro, rondou a bancarrota.
Com o fim da guerra, Farquhar voltou à carga e, em 1919, iniciou uma empresa para extração de minério de ferro em Minas Gerais, que, encampada em 1939 pelo governo de Getúlio Vargas, teve seus ativos desapropriados e acabou dando origem à Cia. Vale do Rio Doce.
O empresário morreu aos 83 anos de idade e se dizia lesado pelo governo brasileiro, de quem se considerava credor.
O Grand Hôtel La Plage, que há muito não era mais seu, sobreviveu mais alguns anos, mas, decadente, foi demolido no início dos anos 1960.
No seu lugar, surgiu o clube da Orla, cuja piscina, herdada do hotel, durou até que, com a falência da Santa Paula Melhoramentos, o clube virou o shopping La Plage, apagando da memória um Guarujá que, no início do século 20, tinha perfil parecido ao de Mônaco e ao da Riviera Francesa. (SILVIO CIOFFI)


Texto Anterior: De volta ao futuro: Urbanização planejada da ilha remonta ao século 19
Próximo Texto: De volta ao futuro: Canal de Bertioga foi cenário da captura de Hans Staden
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.