São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2008

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DE VOLTA AO FUTURO

Canal de Bertioga foi cenário da captura de Hans Staden

Aventureiro alemão foi primeiro artilheiro do forte de São Felipe, erguido no lado onde hoje fica o Guarujá

DA REDAÇÃO

Quando o alemão Hans Staden veio dar em São Vicente, em 1550, após um naufrágio, o litoral do eixo Rio-SP estava dividido entre duas tribos rivais e seus aliados europeus.
A porção sul era dominada pelos tupiniquins, aliados dos portugueses. A porção norte era dos tupinambás, aliados dos franceses, comandados pelo lendário Cunhambebe, um dos líderes da Confederação dos Tamoios. E o ponto de tensão entre os inimigos era o canal de Bertioga, usado pelos tupinambás para penetrar na área tupiniquim.
Em sua segunda viagem ao Brasil, Staden veio com a expedição do espanhol Diogo de Sanabria. Mesmo assim, o aventureiro, que tinha experiência como artilheiro e arcabuzeiro, foi convidado pelos portugueses a defender o canal de Bertioga, como o primeiro artilheiro do forte de São Felipe, no lado do Guarujá. Ele foi substituído pelo forte de São Luiz, cujas ruínas foram engolidas pelo mato.
Foi na ponta da ilha de Santo Amaro que teve início a aventura depois relatada por Staden em um livro que logo se tornou um sucesso de vendas na Europa, até hoje considerado por estudiosos uma das principais fontes de informação sobre o ritual antropofágico dos índios brasileiros. Ele foi capturado pelos tupinambás, que o mantiveram cativo por nove meses.
Staden escapou de virar churrasco com a ajuda de Deus, segundo ele mesmo, ou por conta do excesso de lamento em suas preces, o que teria sido entendido como covardia pelos tupinambás e desencorajado o ritual canibalístico, que tinha por fim absorver a bravura do inimigo, segundo versão extra-oficial um tanto popular.
Aparte suas desventuras em terras brasileiras, pouco sabemos sobre a vida de Staden. As datas de nascimento e de morte são registradas, respectivamente, como por volta de 1525 e de 1579. Nascido em Homberg, na Alemanha, se estabeleceu em Marburgo após suas viagens ao Brasil, onde, segundo Eckhard Kupfer, diretor do Instituto Martius-Staden, tornou-se fabricante de pólvora.
Segundo pesquisa feita nos arquivos da cidade por Kupfer, há só quatro documentos sobre Staden: cartas pedindo ajuda ao duque, uma fatura e um documento que o acusava de ser um mau pagador. Aparentemente, Staden escapou dos tupinambás, mas não dos credores.
A narração das duas viagens de Staden ao Brasil foi publicada pela primeira vez em Marburgo, na Alemanha, em 1557. O relato sobre selvagens comedores de gente logo se tornou um sucesso, sendo publicada em outros países europeus. A primeira tradução para o português foi feita apenas em 1892, por Tristão de Alencar Araripe. Mas foi com as adaptações de Monteiro Lobato, publicadas em 1925 e 1927, que a história se popularizou, recebendo diversas edições desde então.
É possível que o relato de Staden tenha influenciado a criação do movimento antropofágico, lançado por Oswald de Andrade com seu "Manifesto Antropófago", em 1928. Segundo o poeta Raul Bopp, no livro "Movimentos Modernistas no Brasil: 1922/1928" (ed. São José, 1966), em um jantar seminal para o movimento, no qual estavam Oswald e sua mulher, a pintora Tarsila do Amaral, "o velho Staden" foi citado. Tarsila, em depoimento, não menciona o episódio.
A publicação mais recente do livro de Staden no Brasil é a edição "Duas Viagens ao Brasil", da L&PM, lançada em fevereiro. (MARINA DELLA VALLE)


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