|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TURQUIA DUAL
Dança faz conexão entre Deus e universo
Luciana Coelho/Folha Imagem
|
Dervixes giram sem parar para atingir transe que os levará ao plano entre o divino e o material |
Dervixes, seguidores de seita mística islâmica, fazem ritual em mosteiro e estação de trem de Istambul
DA ENVIADA A ISTAMBUL
A música, que acompanha a
entoação de versos do Alcorão,
pára. Sob o silêncio e em total
concentração -rompidos apenas pelo espocar irritante de
uma máquina fotográfica aqui e
acolá- cinco homens jovens,
vestidos em uma longa capa escura e um chapéu cônico de feltro cor-de-vinho adentram o
salão. Espalham-se pelo palco
improvisado, olhos fechados.
A música volta a ressoar. Eles
começam a girar, braços abertos, uma das mãos apontando
para cima, a outra para baixo,
para expressar seu lema ("o que
de Deus recebemos, à humanidade doamos"). Logo retirarão
a capa, num gesto que simboliza seu desapego do mundo material, para exibir uma longa
veste branca, acinturada, rodada. E entrarão em transe.
São os dervixes (ou sufistas)
-seguidores da seita mística islâmica fundada pelo estudioso
de religião Mevlana Jalaluddin
Rumi por volta de 1255 no atual
Afeganistão- exibindo sua cerimônia de adoração, ou sema.
Os dervixes acreditam na abnegação total, na doação do ser
em troca da plena conexão com
Deus e o universo. Pelos cânticos e pela dança -que consiste
basicamente em girar sem parar- esperam atingir um transe que, crêem, os leva a um plano entre o mundo material e o
divino. Ao espectador, resta a
sensação de estar absorto em
contemplar um ritual único.
Em Istambul, as apresentações de uma hora, divididas entre música e dança, acontecem
no mosteiro Mevlevi, nas tardes de domingo, e na estação de
trem Sirkeci, aos domingos,
quartas e sextas às 19h30.
A primeira é mais concorrida, mas a segunda (embora
mais "turística") tem um apelo
especial: é nessa estação, construída em 1889 entre o palácio
Topkapi e o cais de Eminönü,
que chegava o mítico Orient
Express. A linha, que parte de
Paris e percorre cerca de 2.700
km, ainda existe, embora sem o
glamour de antes.
Aproveite para tomar um
bom café turco no charmosamente decadente restaurante
da estação. Mas sente-se do lado de fora, a contemplar os trilhos em seu melancólico abandono. Assim é mais fácil esquecer a horda de turistas japoneses que entope o salão e sentir-se numa época em que a escritora Agatha Christie era sua
mais célebre freqüentadora.
(LUCIANA COELHO)
Texto Anterior: Múltipla, culinária turca espelha aromas e sabores contrastantes Próximo Texto: [!] Foco: Em banho turco, turista recarrega forças submerso em sensações e tradição Índice
|