São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 2006

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TURQUIA DUAL

Dança faz conexão entre Deus e universo

Luciana Coelho/Folha Imagem
Dervixes giram sem parar para atingir transe que os levará ao plano entre o divino e o material


Dervixes, seguidores de seita mística islâmica, fazem ritual em mosteiro e estação de trem de Istambul

DA ENVIADA A ISTAMBUL

A música, que acompanha a entoação de versos do Alcorão, pára. Sob o silêncio e em total concentração -rompidos apenas pelo espocar irritante de uma máquina fotográfica aqui e acolá- cinco homens jovens, vestidos em uma longa capa escura e um chapéu cônico de feltro cor-de-vinho adentram o salão. Espalham-se pelo palco improvisado, olhos fechados.
A música volta a ressoar. Eles começam a girar, braços abertos, uma das mãos apontando para cima, a outra para baixo, para expressar seu lema ("o que de Deus recebemos, à humanidade doamos"). Logo retirarão a capa, num gesto que simboliza seu desapego do mundo material, para exibir uma longa veste branca, acinturada, rodada. E entrarão em transe.
São os dervixes (ou sufistas) -seguidores da seita mística islâmica fundada pelo estudioso de religião Mevlana Jalaluddin Rumi por volta de 1255 no atual Afeganistão- exibindo sua cerimônia de adoração, ou sema.
Os dervixes acreditam na abnegação total, na doação do ser em troca da plena conexão com Deus e o universo. Pelos cânticos e pela dança -que consiste basicamente em girar sem parar- esperam atingir um transe que, crêem, os leva a um plano entre o mundo material e o divino. Ao espectador, resta a sensação de estar absorto em contemplar um ritual único.
Em Istambul, as apresentações de uma hora, divididas entre música e dança, acontecem no mosteiro Mevlevi, nas tardes de domingo, e na estação de trem Sirkeci, aos domingos, quartas e sextas às 19h30.
A primeira é mais concorrida, mas a segunda (embora mais "turística") tem um apelo especial: é nessa estação, construída em 1889 entre o palácio Topkapi e o cais de Eminönü, que chegava o mítico Orient Express. A linha, que parte de Paris e percorre cerca de 2.700 km, ainda existe, embora sem o glamour de antes.
Aproveite para tomar um bom café turco no charmosamente decadente restaurante da estação. Mas sente-se do lado de fora, a contemplar os trilhos em seu melancólico abandono. Assim é mais fácil esquecer a horda de turistas japoneses que entope o salão e sentir-se numa época em que a escritora Agatha Christie era sua mais célebre freqüentadora.
(LUCIANA COELHO)


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