São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

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BALEIA À VISTA

Caçador do mamífero só ganhava uns trocados

Marcelo Pigler/Folha Imagem
O ex-caçador de baleias Mattos, hoje com 82 anos, que tem saudades da época em que havia mais peixe no mar


DO ENVIADO ESPECIAL A IMBITUBA

Ex-caçador de baleias, Celdolino Alexandre Mattos trabalhou como timoneiro de um grupo de caçadores entre 1950 e 1956. Hoje, aos 82 anos, lembra-se de como era feito o serviço, proibido em 1973. (MARCELO PLIGER)

Folha - Como era a caça?
Celdolino Alexandre Mattos -
A gente remava até a baleia [e levava" dois ou três minutos para chegar ao animal. Então acendia a dinamite na ponta do arpão, para ter propulsão, e acertava. Fazia duas espoletas, dois estopins, colocava prego para segurar no "bomb-lança". Na ponta do estopim, colocava cinco ou seis fósforos. Quando a baleia subia, o arpoador fincava a lança afiada. Era rápido. Um arpão só já matava. Uma vez um pescador usou um barco pequeno para colocar um "bomb-lança". Mas o arpoador não era bom, ele colocou muita força e o arpão atravessou a baleia. Uma vez, um outro acertou numa baleia morta.

Folha - Quantas pessoas participavam da caça?
Mattos -
Eram 18 em três barcos, com um arpoador e um timoneiro para cada um.

Folha - Como vocês traziam a baleia para a terra?
Mattos -
No braço. Depois a gente usava um guincho para puxá-la até o barracão [onde era preparado o óleo, hoje sede do Museu da Baleia". A gente também perdia muita baleia. Lutar contra a água era o mais difícil. Um dia trabalhamos o dia todo no mar para trazer só uma. Chegou a noite e o mar quebrava, então achamos que o mar ia levar a baleia morta lá para Itapirubá. Quebramos até a quilha da lancha naquele marzão. No dia seguinte, cadê a baleia? O mar havia levado.

Folha - As baleias não revidavam?
Mattos -
Nunca. É bicho muito manso, a gente chegava tão perto que dava para subir nela. Não fazia nada. Teve só uma vez que um filhote já crescido deu trabalho. Se uma baleia pegar mesmo, corta o barco ao meio. Mas nunca aconteceu. Numa ocasião avistamos, eu e o irmão do Chico Paes, um macho em cima da fêmea. Quando a gente chegou, o macho já tinha saído, mas ela não teve tempo de se virar. Nenhum dos dois fez nada.

Folha - Vocês matavam filhotes?
Mattos -
Não. Filhote nunca.

Folha - Quanto o senhor ganhava caçando baleia?
Mattos -
Só ganhava uns trocados. E era um trabalhão para pescar, desmanchar, picar tudo, preparar o óleo. Vivia comprando fiado na venda. Quem pescava recebia pouco.

Folha - Como você começou a caçar baleias?
Mattos -
Fui obrigado a abandonar a escola para ajudar minha mãe, e os pescadores me convidaram para pescar anchova. Essa praia [do Rosa", em novembro, ficava preta de anchova. Tinha muito peixe, não era como agora. Tinha peixe até o último dia de pesca, 2 de novembro. A sardinha encalhava na praia. Era tanta que a gente enterrava no barranco, porque sobrava. O peixe era dado. Quando uma mãe de família perguntava por peixe, a gente respondia: "Pega aí, é de graça". Agora é tudo difícil, falta peixe, falta trabalho. Naquele tempo, quem queria trabalhar trabalhava. E o serviço era pesado.

Folha - O que o senhor sente pensando nesse passado?
Mattos -
Quem viveu naquele tempo sente saudade. Vivia de janela aberta, porta aberta, não acontecia nada. Hoje quem pega uma garoupa fica admirado. A gente matava baleia e deixava baleia viver. Tinha tanta tainha que [a gente a" comia o ano todo. Hoje ainda tem, mas naquele tempo parece que era mais gostoso. Enquanto tiver saúde, graças a Deus, quero deixar o barco rolar.


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