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ORIENTE-SE
Do outro lado do rio, bairro homenageia cachorro Norakuro
Criado em 1931 pelo cartunista Suiho Tagawa, cão militar é um dos personagens mais famosos do Japão
DO ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO
O hoje semi-esquecido personagem de quadrinhos Norakuro (www.youtube.com/watch?v=XNxUGz343Nw)
nasceu em Tóquio, do outro lado da ponte que os japoneses
chamam de Kiyosubashi, no
simpático bairro de Kiyosumi-Shiragawa, acessível via estação homônima do metrô.
Próximo dos jardins de Kiyosumi, numa antiga região de casinhas e de comércio de velha
classe média que ora ganha
prédios residenciais, com atávicos emporiozinhos, muitas tinturarias, doçarias e restaurantes familiares e até um templo,
esse bairro é ideal para comprinhas e passeios sossegados.
Foi ali, em Kiyosumi-Shiragawa, que, no início do século
20, viveu o cartunista Suiho Tagawa (1899-1989), autor de Norakuro, personagem dos mangás, os quadrinhos nipônicos.
Nesse bairro onde Tagawa viveu há uma rua, a Norakuro
Street, batizada em homenagem ao personagem, um simpático vira-latas preto -algo
art déco- criado em 1931.
Ali nessa rua, onde tudo se
refere ao personagem, as lojas
estão instaladas em casinhas
geminadas com varandinha.
Há à venda, nesse local
-também chamado de Takabashi Shopping-, de camisetas
com a estampa desse cachorro
a bonecos alusivos a ele. Mas,
hoje, é difícil encontrar publicações de Norakuro, mesmo
em grandes livrarias da cidade.
História em quadrinhos
Contemporâneo de figuras
identificadas como personagens de Walt Disney, Norakuro
até que se assemelha ao rato
Mortimer -que depois viraria
Mickey Mouse. Mortimer,
aliás, nasceu em 1928 e foi gestado pela pena atilada de Ub
Iwerks, seu verdadeiro autor,
um norte-americano filho de
holandeses.
A iconografia de Norakuro
lembra até mais a de outro personagem, velho conhecido do
público ocidental: o Gato Félix,
de 1919, criado por Otto Messmer, cartunista de Nova Jersey.
Esse gato preto apareceu pela
primeira vez no curta-metragem "Feline Follies".
Mangá
Em grande voga em todo o
mundo nas primeiras décadas
do século 20, as histórias em
quadrinhos foram chamadas de
mangá no Japão do século 19.
"Man" significando involuntário, e "gá", imagem.
Com edições de cerca de 200
páginas, o mangá, impresso em
preto-e-branco, tem enredo
elaborado, e é um fenômeno
editorial que há décadas tem
entusiastas de todas as idades
junto ao público nipônico.
Há quem credite o aparecimento do mangá a Osamu Tezuka, autor nitidamente influenciado por Disney nos anos
1940 -mas é certo que Suiho
Tagawa veio antes.
Militarismo
Durante a vida profissional
do cartunista Suiho Tagawa, os
ventos da política se tornaram
cinzentos. Desde que Norakuro
nasceu, na bem-humorada
prancheta do desenhista toquiota, até que virou mania japonesa, muitos canhões cruzaram o mar do Japão, que pretendia, então, tomar posse da
Manchúria, na China.
Originalmente um vira-latas
preto bonachão, o personagem
se engajou para virar um disciplinado soldado. Tagawa havia
sido, ele próprio, soldado do
Exército Imperial japonês entre 1919 e 1922.
Nas tiras, à medida em que
Norakuro ia sendo promovido
como militar, curiosamente,
seu astral ia piorando. Inicialmente, as histórias eram repletas de bonomia -mas o belicismo tomou conta de sua nova e
engajada personalidade.
Esquizofrenias à parte, Norakuro estava no diapasão de sua
época: sua figura, emblemática
(e midiática), foi estampada em
milhares de produtos e quinquilharias, virou brinquedo
"cult" e até mascote de soldado.
Curiosamente, só em 1970
uma série de desenhos animados foi lançada, com apenas 28
episódios (www.youtube.com/watch?v=AT93wPwCJKs). Hoje, sua figura simpática e arquetípica sobrevive quase que somente em Tóquio, naquele bairro onde viveu seu
fundador e onde vale a pena
passear, nem que seja para
comprar uma camiseta com
sua estampa na rua que leva seu
nome, na pequena loja Marukei
(www.boushi-no-marukei.com).
(SILVIO CIOFFI)
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