São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

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ORIENTE-SE

Do outro lado do rio, bairro homenageia cachorro Norakuro

Criado em 1931 pelo cartunista Suiho Tagawa, cão militar é um dos personagens mais famosos do Japão

DO ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

O hoje semi-esquecido personagem de quadrinhos Norakuro (www.youtube.com/watch?v=XNxUGz343Nw) nasceu em Tóquio, do outro lado da ponte que os japoneses chamam de Kiyosubashi, no simpático bairro de Kiyosumi-Shiragawa, acessível via estação homônima do metrô.
Próximo dos jardins de Kiyosumi, numa antiga região de casinhas e de comércio de velha classe média que ora ganha prédios residenciais, com atávicos emporiozinhos, muitas tinturarias, doçarias e restaurantes familiares e até um templo, esse bairro é ideal para comprinhas e passeios sossegados.
Foi ali, em Kiyosumi-Shiragawa, que, no início do século 20, viveu o cartunista Suiho Tagawa (1899-1989), autor de Norakuro, personagem dos mangás, os quadrinhos nipônicos.
Nesse bairro onde Tagawa viveu há uma rua, a Norakuro Street, batizada em homenagem ao personagem, um simpático vira-latas preto -algo art déco- criado em 1931.
Ali nessa rua, onde tudo se refere ao personagem, as lojas estão instaladas em casinhas geminadas com varandinha.
Há à venda, nesse local -também chamado de Takabashi Shopping-, de camisetas com a estampa desse cachorro a bonecos alusivos a ele. Mas, hoje, é difícil encontrar publicações de Norakuro, mesmo em grandes livrarias da cidade.

História em quadrinhos
Contemporâneo de figuras identificadas como personagens de Walt Disney, Norakuro até que se assemelha ao rato Mortimer -que depois viraria Mickey Mouse. Mortimer, aliás, nasceu em 1928 e foi gestado pela pena atilada de Ub Iwerks, seu verdadeiro autor, um norte-americano filho de holandeses.
A iconografia de Norakuro lembra até mais a de outro personagem, velho conhecido do público ocidental: o Gato Félix, de 1919, criado por Otto Messmer, cartunista de Nova Jersey. Esse gato preto apareceu pela primeira vez no curta-metragem "Feline Follies".

Mangá
Em grande voga em todo o mundo nas primeiras décadas do século 20, as histórias em quadrinhos foram chamadas de mangá no Japão do século 19. "Man" significando involuntário, e "gá", imagem.
Com edições de cerca de 200 páginas, o mangá, impresso em preto-e-branco, tem enredo elaborado, e é um fenômeno editorial que há décadas tem entusiastas de todas as idades junto ao público nipônico.
Há quem credite o aparecimento do mangá a Osamu Tezuka, autor nitidamente influenciado por Disney nos anos 1940 -mas é certo que Suiho Tagawa veio antes.

Militarismo
Durante a vida profissional do cartunista Suiho Tagawa, os ventos da política se tornaram cinzentos. Desde que Norakuro nasceu, na bem-humorada prancheta do desenhista toquiota, até que virou mania japonesa, muitos canhões cruzaram o mar do Japão, que pretendia, então, tomar posse da Manchúria, na China.
Originalmente um vira-latas preto bonachão, o personagem se engajou para virar um disciplinado soldado. Tagawa havia sido, ele próprio, soldado do Exército Imperial japonês entre 1919 e 1922.
Nas tiras, à medida em que Norakuro ia sendo promovido como militar, curiosamente, seu astral ia piorando. Inicialmente, as histórias eram repletas de bonomia -mas o belicismo tomou conta de sua nova e engajada personalidade.
Esquizofrenias à parte, Norakuro estava no diapasão de sua época: sua figura, emblemática (e midiática), foi estampada em milhares de produtos e quinquilharias, virou brinquedo "cult" e até mascote de soldado.
Curiosamente, só em 1970 uma série de desenhos animados foi lançada, com apenas 28 episódios (www.youtube.com/watch?v=AT93wPwCJKs). Hoje, sua figura simpática e arquetípica sobrevive quase que somente em Tóquio, naquele bairro onde viveu seu fundador e onde vale a pena passear, nem que seja para comprar uma camiseta com sua estampa na rua que leva seu nome, na pequena loja Marukei (www.boushi-no-marukei.com). (SILVIO CIOFFI)


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