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MUNDO PERDIDO
Escalada até topo do platô na divisa de Brasil, Venezuela e Guiana requer preparo e desprendimento
Monte Roraima remete à viagem no tempo
RAUL INUI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NA VENEZUELA
Pode parecer lugar-comum,
mas avistar o monte Roraima alude a uma viagem no tempo e lembra cenário de ficção científica.
Nuvens encobrem essa montanha
que é uma das formações geológicas mais antigas do planeta, com 2
bilhões de anos. O caminho no
qual se vêem flores únicas passa
por planícies, vales e platôs -ali
chamados de tepuis.
A expedição a esse canto do
mundo, localizado na fronteira
que divide Brasil, Venezuela e
Guiana, em direção ao monte Roraima, passa por um dos mais belos tepuis da América do Sul, com
2.875 m de altitude, e pelo vizinho
Kukenan. A aventura para conhecer esse lugar rodeado de vales,
serras, rios, riachos e cachoeiras
demanda seis dias. Nesse período,
o viajante percorre longas trilhas,
escala pedras e morros.
A atração é internacional e, embora o Brasil seja "dono" de 2,6%
do monte Roraima, os verde-amarelos não são os maiores freqüentadores. Além disso, a escalada hoje é feita pela Venezuela,
pois o acesso pelo Brasil é restrito.
O ponto de partida é Boa Vista.
Da capital de Roraima até a cidade venezuelana de Santa Elena de
Uairén, a mais próxima do parque Canaíma, na região da Grand
Sabana, onde estão os tepuis Roraima e o "irmão" Kukenan, são
250 km. Mas, de Santa Elena, ainda são necessários mais 66 km para chegar a vila de San Francisco
de Yuruaní e outros 18 km até a
vila de Paraytepui, o real ponto de
partida para a exploração rumo
ao monte do Roraima, de cujo topo fica o ponto tríplice, local onde
convergem as três fronteiras.
É bom avisar que é preciso muita perna, fôlego e um certo desprendimento, pois a hospedagem
é feita em acampamentos sem nenhum luxo. O único conforto é a
ajuda dos guias venezuelanos de
tribos indígenas, que podem ser
contratados como carregadores,
o que alivia o peso.
Por todo o trajeto a impressionante dimensão das mesas vai se
aproximando. A primeira visão
dos tepuis já é testemunhada na
estrada que interliga Santa Elena a
San Francisco de Yuruaní. Nos
dois primeiros dias, os aventureiros caminham por uma vegetação
rasteira, onde há cascavéis, que
parece uma savana. Cruzam-se
córregos e os rios Tek e Kukenan.
No terceiro dia ocorre a escalada final ao cume do monte Roraima. Depois de muito sol e calor
durante a primeira fase da expedição, esse é o momento em que a
neblina toma conta. A floresta fica
mais densa, e as subidas, mais íngremes. Avistam-se de perto paredões e quedas-d'água que dão
encanto ao caminho.
A visão das pedras na beira do
cume preconiza a chegada a um
certo canto místico. Ao longo dessa última etapa de ascensão, todo
o vale que fica para trás acompanha o expedicionário, dando a
impressão de que se está saindo
da terra e chegando ao céu.
Aumenta a expectativa de ver de
perto as formações mais antigas
do planeta que o tempo e a erosão
não corroeram. Foram mantidas
suas formas originais -as constantes chuvas, neblina e sol forte
não bastaram para levar suas pedras a sedimentar nos rios amazônicos.
Momento clássico: no topo do
platô, a sensação é a de estar em
uma cena de um filme pré-histórico. Dá para compreender a inspiração que o escritor Arthur Conan Doyle (1859-1930) -sim, o
criador de Sherlock Holmes-
captou no local e incluiu na obra
"O Mundo Perdido". Não é à toa
que muitos visitantes levam debaixo do braço um exemplar do
livro (leia ao lado).
A próxima parada fica nas grutas onde são montados novos
acampamentos, chamados aqui
de hotéis. Faixas estreitas encostadas nas pedras alocam as barracas
e dão a visão de uma paisagem
fantástica sobre o vale, acompanhados das beiradas dos tepuis.
As cores do crepúsculo e do alvorecer completam a magia do lugar, sem contar a incrível visão
das pedras e dos vales durante a
noite com a luz da lua.
O quarto dia é dedicado à visita
do platô. Caminha-se entre vales e
pântanos. Vêem-se pedras de diversas formas e que são alimento
para a imaginação. Há exemplares que lembram naves interplanetárias, outros que trazem à memória um casal se beijando, outros que parecem uma tartaruga
ou um elefante. As formações de
pedra, em meio à névoa, ficam
ainda mais misteriosas, proporcionando visões de animais e objetos em movimento. Em muitos
momentos parece mais um sítio
arqueológico ou um museu de
formas, no qual ficaram petrificadas as almas que passaram por ali.
Os córregos e os lagos equilibram a inóspita paisagem com
uma vegetação peculiar. Aliás, endêmica, porque há plantas exclusivas da região. Há muitas bromélias, orquídeas, samambaias e canelas-de-ema. Algumas plantas
são carnívoras, e há até sapos que
não pulam. A riqueza e o exotismo da flora e da fauna locais
atraem muitos botânicos e biólogos. Completam a aventura, além
do marco fronteiriço, o poço
Azul, uma linda lagoa dentro de
um buraco, o qual tem paredes
que parecem árvores petrificadas.
Cada passagem de um vale a outro, como o vale dos Cristais, é
única. A descida no dia seguinte é
o início da despedida da visita. A
caminhada exige joelhos e pernas
resistentes. Ao descer, o peso
pousa sobre os joelhos, e cada
passo pode ser uma pancada nos
tendões e ligamentos. Para evitar
contusões ou estresse nas articulações é preciso descer com cuidado, mas, mesmo assim, os joelhos
demonstram seus limites com algumas dores para alguns.
O retorno em dois dias com pernoite do outro lado do rio Tek é
um alívio para quem temia a dificuldade do desafio. Ao chegar em
Paraytepui, a sensação de que tudo deu certo e de que a missão foi
cumprida é soberba.
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