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ECOTURISMO
Perto de Cavalcante, vivem cerca de 4.000 calungas, descendentes de escravos que lá se refugiaram há 200 anos
Geografia preservou tradição quilombola
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM GOIÁS
Antes de englobar parte do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, o município de Cavalcante
já abrigava um dos principais quilombos brasileiros: a comunidade
calunga.
É fácil entender por que os escravos que escapavam se refugiavam nessa região mais de 200
anos atrás. A chapada dos Veadeiros é um mar de serras, morros,
cânions, cachoeiras e olhos-d'água, e os paredões de pedra formam muralhas penosas de ultrapassar. O isolamento foi a defesa
contra os senhores de escravo que
queriam reconduzir os quilombolas à escravidão. E esse isolamento -que diminuiu bastante
nos últimos anos- contribuiu
para preservar a identidade e o
modo de vida tradicional.
Atualmente, alguns povoados
recebem turistas e permitem que
eles tomem banho nas cachoeiras
locais. Em Engenho 2, uma das líderes locais, dona Getúlia Moreira da Silva, 46, faz comida para os
visitantes e vende tecidos feitos à
mão. Muitas mulheres calungas
ainda sabem descaroçar o algodão, estirá-lo, colocá-lo no pau do
fuso e rodar para fiar a linha.
"Desde que me entendo por
gente, vivemos do que arrancamos da terra: arroz, feijão, milho,
mandioca, abóbora, quiabo,
coentro e alho. Hoje falta lugar
para plantar. Os grileiros venderam muitas terras. Agora, com o
sítio histórico do calunga, esperamos que a situação mude", explica dona Getúlia. A área foi reconhecida oficialmente em 1991 como sítio histórico que abriga o Patrimônio Cultural Calunga.
"Antes, tínhamos medo dos turistas. Eles entravam, não falavam
com ninguém. Depois, começamos a organizar as visitas", afirma. Questionada sobre o número
de habitantes da comunidade em
Engenho 2, responde: "Conheço
todo mundo, mas tenho de fazer a
conta". Há cerca de 60 casas ali.
"Ainda tem muita gente analfabeta aqui, mas já temos escola da
1ª até a 5ª série. Antigamente, todos moravam na beira do rio. Hoje, já tem até água encanada e
agente de saúde "filho da terra"."
Um dos principais debates na
aldeia gira em torno da chegada
iminente da energia elétrica. "Só
usamos lamparina. Tudo é feito
em cima da hora porque não temos geladeira. Até o frango matamos na hora", diz dona Getúlia.
"Na época da eleição, conhecemos muita gente; eles sempre
vêm fazer propaganda. Só o prefeito que vem de vez em quando."
Jorge Moreira de Oliveira, 35,
costuma viajar a Brasília e Goiânia para reuniões sobre a comunidade nas quais defende melhorias
como mais escolas, atendimento
médico e turismo organizado.
"Não há normas certas sobre os
turistas. Precisamos definir bem
as coisas para evitar problemas e
parar de perder as tradições", alega. "Mesmo em Brasília, muitos
calungas encontram gente da comunidade e procuram casar entre
si." Com frequência cada vez
maior, os jovens vão estudar em
cidades próximas e não retornam.
Cerca de 4.000 calungas se espalham por vilarejos em Cavalcante,
Teresina de Goiás e Monte Alegre.
Fundada em 1740, Cavalcante (a
330 km de Brasília) foi a capital regional da chapada dos Veadeiros
até a ascensão de Alto Paraíso.
Segundo Ion David, 29, diretor
da agência Travessias, "as pessoas
têm preconceito em relação aos
calungas. Pode-se dizer que eles
fazem trabalho forçado na região,
algo como uma escravidão remunerada". Festas típicas como as de
Nossa Senhora das Neves e d'Abadia, além das folias de Reis, de
São Benedito, do Divino, de Santo
Antônio e de São João, atraem
membros da comunidade calunga e de cidades próximas.
Muitos calungas são religiosos,
mas não deixam de contar histórias dos seres dos rios.
A piratinga monstro (maior
peixe de couro do Brasil, que chega a pesar mais de 150 kg) devora
os dedos dos jacarés. A pirarara
(peixe com uma faixa amarela) vive na cachoeira do Funil, "deitada
em cima de uma corrente de ouro". Os calungas contam que ela
tem a cabeça apoiada num lado
da cachoeira e o rabo no outro. A
maioria das crianças sabe de cor
os nomes dos peixes.
(PAULO DANIEL FARAH)
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