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OPINIÃO AS "DUAS" LÍNGUAS
"Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões"
Versos de "Língua", de Caetano Veloso, sintetizam (des)enredos das "duas" línguas
E QUE ISSO
(AS "DIFERENÇAS" IDIOMÁTICAS)
NÃO SEJA MOTIVO PARA NINGUÉM
SE CHATEAR EM PORTUGAL. SE
VOCÊ NUNCA
FOI, VÁ. VÁ HOJE,
VÁ AGORA.
SE JÁ FOI, REPITA
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PASQUALE CIPRO NETO
COLUNISTA DA FOLHA
A entrada em vigor da reforma ortográfica brasileira
intensificou a confusão que
muita gente faz entre ortografia e língua. Nas conversas aqui e ali e na imprensa,
foi um tal de "Mudou a língua", "Lula assina a lei que
muda a língua" etc. Isso tem
valor científico igual ao de
frases do calibre de "Masturbação dá espinha", "Leite
com manga, morre" etc.
Reformas ortográficas, como o nome já diz, mexem na
ortografia, ou seja, na maneira de grafar as palavras. Um
dia já se escreveu geraes (gerais), cam (cão), portuguez
(português) etc. Quando se
fala de língua, fala-se do sistema, da estrutura, e isso não
se muda por lei ou decreto.
A (até agora fracassada)
tentativa de unificar a grafia
do português nos oito países
que o têm como língua oficial
surgiu da suposta necessidade de igualar ou aproximar o
que é desigual em aproximadamente 1% do léxico português, ou seja, a grafia.
Em Portugal, grafa-se "direcção", "adoptar", "facto",
mas isso não basta para que
se diga que a língua de lá é diferente da de cá. Há diferenças, sim, de timbre (abertura
da vogal: no Brasil se diz
"prêmio", que aqui se grafa
com circunflexo; em Portugal, diz-se "prémio", que lá
se grafa com agudo), de vocabulário (aqui se diz "bonde", que em Portugal vira
"eléctrico"), de formas (aqui
se diz "Ela está dormindo";
em Portugal, é mais comum
"Ela está a dormir") etc.
Outra diferença significativa se dá na emissão das palavras: nosso português é mais
aberto, mais vocálico; o de lá
é mais fechado, travado (parece que sai dos dentes...).
Para muitos brasileiros, isso
torna a língua "deles" irremediavelmente diferente e
quase incompreensível.
Pois esses dois fatores
(emissão e vocabulário),
além de outros, como o uso
dos pronomes ("Havia um
aqui, mas tiraram-no", disse-me com toda a naturalidade
uma funcionária da companhia telefônica, referindo-se
a um telefone público que
funcionava com cartão de
crédito) fazem muitos brasileiros se sentirem num país
de língua estrangeira quando estão em Portugal.
Nessas horas, um pouco
de boa vontade e de leitura
dos grandes escritores lusitanos pode ajudar. Quem já leu
um clássico português não se
surpreende quando vê numa
publicidade da Coca-Cola a
frase "A vida sabe bem", em
que se emprega o verbo "saber" (como já se empregou
no Brasil) com o sentido de
"ter gosto", "ter sabor" ("A
vida sabe bem" equivale a "A
vida tem gosto bom" -com
Coca-Cola, na publicidade).
Esse contato com os clássicos lusos (e também com os
brasileiros, como Machado)
facilitaria a compreensão de
uma frase, que lá vi há algum
tempo, exibida num cartaz
do Ministério do Turismo
("Açores: férias que nunca
esquecem", que equivale a
"Açores: férias que nunca
caem no esquecimento").
O que acabei de dizer em
sabe Deus quantas linhas foi
resumido brilhantemente
por Caetano Veloso, que, no
início da sua genial e antológica "Língua", diz isto: "Gosto de sentir a minha língua
roçar a língua de Luís de Camões". Está dito tudo: a minha língua (o português do
Brasil) se faz roçando (com
todos os sentidos de "roçar")
o português de Portugal. Em
outras palavras, nossa língua e a deles são a mesma
coisa, embora não sejam a
mesma coisa. Simples assim? Simples assim.
E que isso (as "diferenças"
idiomáticas) não seja motivo
para ninguém se chatear em
Portugal. Se você nunca foi,
vá. Vá hoje, vá agora. Se já
foi, repita. Eu, que já fui inúmeras vezes, iria agora, sem
hesitar. Alguns dos motivos
você encontra nos outros textos deste caderno.
Antes que alguém pergunte, o tal "Acordo Ortográfico"
por ora é solenemente ignorado em Portugal. E, cá entre
nós, não consigo imaginar
um comerciante português
substituindo uma placa centenária da fachada de sua loja só porque alguns selenitas
acham que "direção" é melhor do que "direcção". A coisa lá ainda não pegou. E, pelo jeito, não vai pegar. É isso.
Pasquale Cipro Neto viajou a convite da CVC
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