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PERFIL / ANTÔNIO ABUJAMRA
O diretor e ator Antônio Abujamra levou sua
verve à TV Cultura, emissora em que apresenta o "Provocações". Nele, fustiga personalidades e anônimos com perguntas embaraçosas. Abujamra vem conciliando a TV
com suas atividades teatrais. Atualmente,
encena, no Rio, "O Diário Secreto de Adão e
Eva" -com Marcos Palmeira e Ana Paula
Arósio- e prepara duas peças com sua
companhia, os Fudidos Privilegiados.
DA REPORTAGEM LOCAL
Antes de chegar à Cultura, você apresentou o programa a várias emissoras,
mas nenhuma o aceitou. O que gerou tamanha aversão?
Gravei o piloto de "Provocações" e o
mostrei para a Bandeirantes. Antônio
Athayde (ex-vice-presidente da Band)
odiou. Ele disse ser a primeira vez que
entrava alguém inteligente na sua sala.
Respondi citando Piaget: "A primeira
impressão nunca vale, seja boa ou má".
Eu assistia ao programa com ele na sua
sala, tocou o telefone. Ele atendeu sem
olhar para a TV. Começou a observar um
monitor com números do Ibope. Ligou
para alguém para falar sobre o ibope que
caía. Continuou sem ver o programa.
Terminou "Provocações", ele disse:
"Não me interessa, só você que é bom, o
resto é uma merda". Perguntei se ele gostaria de rever. Disse que não, mas que talvez interessasse a Juca (Silveira, diretor
do Canal 21). Provavelmente, Athayde
também não deixou que Juca o exibisse
no 21. A televisão de Athayde não é a minha. (Atualmente, Athayde está na Telefe argentina, emissora que criou a novela
"Chiquititas".)
Depois, em Curitiba, fui à CNT. Eles
disseram que o programa era maravilhoso, mas nunca me falaram mais nada.
Então, começamos a nos perguntar o
que fazer. Aí, a vida, essa causa perdida,
fez com que um ex-aluno meu na USP,
Walter Silveira, tomasse o poder na Cultura, como diretor de programação. Ele
me chamou e aceitou que fizéssemos 13
programas. O efêmero é o que eu gosto.
Não sei se serão 13 ou mais.
O sr. já afirmou que o Brasil era um lixo.
"Provocações" é fruto dessa constatação?
O Brasil é um Paquistão cultural. A média cultural nacional é muito ruim. O
país não tem a cultura que deveria ter.
Desde que me conheço, a coisa só piora.
Não sou eu quem diz, mas todas as pessoas que sabem a diferença entre um Pedro Bloch e um Bernard Shaw. Tenho 50
anos de teatro. Faço TV há 39. O programa é produto de uma vivência, de olhar
as coisas na rua. Não sou eu quem faz as
provocações, mas as pessoas que vêm e
falam as coisas sobre o Brasil. Estou em
fim de vida. Quero me divertir.
O sr. diz se distanciar tanto de Jô Soares
quanto de Marília Gabriela. O sr. seria então um João Gordo intelectualizado?
Acho João Gordo muito mais intelectualizado que eu. Está na esfera de uma
arte duvidosa que é a música e filosofa de
forma invejável. Podem dizer o que quiserem sobre mim. Já falaram que eu era
gênio, maravilhoso, medíocre, que deveria vender geladeiras. Continuo fazendo
meu teatro. Estilo eu não tenho. Quem tinha era Visconti, Carl Dreyer, Marco
Ferreri. Meu estilo é optar por ser medíocre. Sou latino-americano. Conheço os
EUA, a Europa, o mundo. Quero ser medíocre. Pergunte-me: "O que você fez de
bom nestes mais de 30 anos de televisão?". Eu posso dizer: alguns segundos.
O que exige mais preparo psicológico: ir
à rua entrevistar populares ou falar com
personalidades no estúdio?
Qualquer coisa serve para o jogo, "the
play", "le jeu". Qualquer coisa serve para
o momento em televisão. Não há preparo psicológico. A palavra psicologia não
me interessa. Ela leva à utopia. Posso ficar conversando psicologicamente a madrugada inteira. O que surge é uma visão
crítica do mundo. Essa visão é que faz
nascer o programa. Houve uma edição
em que mostramos uma mulher morando na rua, que parecia uma Medéia, querendo matar seus filhos.
A concepção do programa é toda sua?
A idéia é minha, mas idéias são vulgares, qualquer um as tem. O programa é
meu e de Gregório Basic (que responde
pela criação e direção). Pretendíamos fazer, há anos, um programa chamado "O
Provocador". Mas não deu certo. Chamamos para dirigir, primeiro, Tadeu
Jungle, que disse odiá-lo, ao assistir o piloto. Afirmou que eu era maravilhoso,
mas que ele mudaria tudo, porque era
uma bosta. Rogério Brandão não pôde,
também, porque tinha outros compromissos. Fernando Faro (que co-assina a
direção) é um suíço fazendo televisão.
Entrou agora para dar uma qualidade
que, talvez, a gente esteja precisando.
O sr. já perguntou a Tiazinha se ela sabia que jovens se masturbavam ao vê-la na TV. O sr. é um cara-de-pau?
Desde quando você é um cara-de-pau
só por exprimir como um alto-falante os
pensamentos gerais? Sou um carisma,
alguém que ouve as coisas e vê. Só uma
pessoa não sabia que os jovens se masturbavam: ela, que flexiona de um jeito
que nenhuma atriz consegue: (imitando
a Tiazinha) "Não, sério?". Nunca vi ninguém falar assim. É maravilhosa.
O tipo de TV que o sr. fez, com programas como "O Estranho Mundo de Zé do
Caixão" ou "Divino Maravilhoso", com
Fernando Faro, era muito ousado. Por que
a TV de hoje se fechou para a irreverência?
Porque eles acham que o brasileiro não
precisa de nada. Você acha que eles fazem TV para o povo realmente? Não se
interessam por raízes.
Gostaria de voltar às novelas, como a
global "Que Rei Sou Eu", em que o sr. viveu o mago Ravengar...
Adoro atuar na TV. A Globo quer que
eu dirija, não me chamam para atuar,
porque me acham canastrão. E, de fato,
eu sou. Mas Nelson Rodrigues dizia que
não havia melhor ator que o canastrão.
Certa vez, foi ver Jorge Dória no teatro e,
quase aos prantos, foi ao camarim e lhe
disse: "Você não é mais um canastrão".
O sr. gostaria de trazer os protagonistas
de "Adão e Eva" para o programa?
Para provocar o quê? Só se for a libido
de quem estiver no estúdio.
(BRUNO GARCEZ)
BLITZ
Nome: Antônio Abujamra
Local de nascimento: Ourinhos (SP)
Idade: 64
No ar com: "Provocações" (Cultura,
domingos às 19h30)
Passatempo: apostar em cavalos
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