São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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CRÍTICA

Um voto de confiança no debate

EUGÊNIO BUCCI

A REDE Bandeirantes apresentará hoje à noite um debate com os quatro principais candidatos à Presidência da República. Digo "apresentará" por acreditar que, entre a conclusão deste caderno, que acontece na quarta-feira, e a data em que ele circula, que é hoje, domingo, alguns compromissos no Brasil terão sido honrados. Acordos financeiros talvez tenham passado por novas reacomodações, o câmbio, as taxas, a dívida pública, os mercados, essas entidades metafísicas e temperamentais -de tudo isso já não se pode esperar nenhuma garantia. Mas a programação do telejornalismo, esta é vital que seja honrada. Ao menos isso, por favor. Escrevo, portanto, acreditando que o domingo de hoje existirá como todos os outros domingos, até à meia-noite, que o Brasil ainda será um país integrado pela TV, nem que seja só até logo mais, e que os quatro candidatos, conforme prometido, irão pôr suas idéias à prova, uns diante dos outros e todos diante do público. A vaga de incertezas colossal, vaga em que todos somos pouco mais do que náufragos, só aumenta a relevância desse encontro.
A hora é crítica. Transformada em campanha publicitária, a campanha eleitoral na TV é menos um recurso para que os candidatos se mostrem e mais um truque para que eles se escondam. Normalmente de si mesmos, de suas fraquezas, de suas vergonhas. Os debates, se bem conduzidos, podem atenuar esse efeito, pois têm a possibilidade de expor exatamente os traços que cada um dos políticos prefere ocultar. E isso é um serviço de utilidade pública, um serviço que o eleitor-telespectador valoriza e quer buscar. Só o jornalismo pode ser um antídoto contra as mágicas publicitárias e, para que esse antídoto seja eficaz, ele deve ter lugar na TV. Tanto é assim que os telejornais vêm convidando os candidatos para entrevistá-los no estúdio, ao vivo. Não fazem isso por algum tipo de veleidade, mas porque precisam disso para manter a confiança do público.
Sintoma dessa tendência, a sucessão de entrevistas acontecidas no "Jornal Nacional", há cerca de um mês, também procurou avançar por aí. Fátima Bernardes e William Bonner até que lançaram perguntas bem preparadas aos seus convidados. Não souberam, infelizmente, garantir que suas perguntas fossem respondidas com clareza. Não tiveram autoridade jornalística para isso. O resultado foi um tanto patético: mesmo diante de questionamentos objetivos e incisivos, os candidatos se sentiram à vontade para fingir que não era com eles. Respondiam ali umas amenidades e bola pra frente. Tudo bem, o "Jornal Nacional" é neófito em matéria de cobrir criticamente uma eleição. A boa notícia é que ele vem tentando acertar, pois sabe que isso corresponde a uma exigência do público. É verdade que não se trata de uma exigência que seja formulada expressamente por qualquer um do público, mas certamente é uma exigência intuitiva: o cidadão sabe que precisa que o telejornalismo cumpra essa função, sabe que seu futuro depende disso, ou seja, depende de que alguns traços de verdade transpareçam no enfrentamento entre os que postulam comandar a República em seu nome.
É curioso observar como essa necessidade do cidadão (necessidade de esclarecimento) é herdeira direta do Iluminismo, quero dizer, das causas iluministas que inspiraram a criação da democracia, ainda no século 18. Caberia à imprensa, segundo os velhos ideais democráticos, o papel de sediar nada menos que o debate público, de expor as idéias em sua pluralidade, de fazer com que os argumentos encontrassem os seus contrários diante dos olhos dos comuns do povo. É curioso, mas, nesse momento, é o que de melhor podemos esperar do telejornalismo: o pouco que lhe resta, se é que resta, de iluminismo. Tomara que hoje à noite os responsáveis pelo debate se lembrem disso.


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