São Paulo, domingo, 10 de abril de 2011

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OPINIÃO

Para isenção, exigem mais documento que para comprar arma

JAIRO MARQUES
COLUNISTA DA FOLHA

De três em três anos, caso eu queira trocar minha Kombi usada por uma nova, redondinha, tenho de provar à Receita Federal e à Secretaria da Fazenda do Estado que não fui contemplado com milagre que me fizesse voltar a andar, prática que "abandonei" na infância e nem ritual de aborígenes australianos é capaz de fazer retomar.
E isso é necessário para fazer jus ao benefício da isenção de impostos, principalmente de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que a lei agracia às pessoas com deficiência.
A lógica por trás dos descontos _cerca de 25%_ é que o povo com limitação de movimentos come, sem manteiga, o pão que o diabo não quis para usar transporte público, para encontrar táxi acessível, para conseguir ter um mínimo de acesso à educação, à cultura, à saúde e ao lazer, caso vá pela calçada, o que um veículo próprio poderia facilitar no dia a dia.
O duro é que, para exercer esse direito e ter a dignidade de ir e vir, é preciso se humilhar um bocadinho ao poder público juntando um catatau de documentos _mais do que para tirar passaporte, comprar uma arma ou conseguir financiamento_ e depois reconhecer firma, protocolar, jurar por Deus e esperar meses pelo veredicto.

COMPROVAR O ÓBVIO
O controle para a correta obtenção de uma isenção fiscal é, sem dúvida, necessário em um país onde prefeito rouba dinheiro da merenda de crianças.
Desconheço, contudo, que uma pessoa que perdeu a perna tenha conseguido fazer "brotar" outra no lugar, que um tetraplégico tenha conseguido levantar e dançar um forró. Se quiser comprar carro com desconto, porém, o deficiente tem de apresentar laudo médico que comprove o óbvio.
A Receita e os outros órgãos competentes são sabidos para criar programas sofisticadíssimos de declaração de renda e combate à sonegação. Não poderiam também criar um mecanismo mais inteligente de controle das pessoas que podem ter descontos e as expor menos à burocracia, ao assédio de intermediários?
Tendo a pensar que um processo tão desgastante visa mais à tentativa de fazer desistir do processo quem precisa de um carro para ter autonomia de vida do que à segurança de um possível golpe aos cofres públicos.


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