São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

OS HÁBITOS DA "JAMAISLÂNDIA"


Os jamaislandeses eram um povo estranho, que se divertia queimando dinheiro em vez de poupar salários e adiar compras supérfluas

O REINO DA Jamaislândia nunca andou tão alvoroçado.
Cardiologistas alertavam, nas emissoras do reino, para os riscos da hipertensão provocada pelo abuso do pré-sal, um sal que se usa como pré-tempero, antes mesmo de saber se dará gosto à comida. Nem se haverá comida para o pré-tempero.
Não bastasse esse problema público de saúde, muitos lamentaram saber que o investimento por súdito em educação era um dos menores do mundo. O reizinho, contudo, não perdeu tempo: subiu à sacada e anunciou o aumento do investimento, não em educação, mas em propaganda. E dá-lhe pré-sal nos banquetes da corte.
Ainda não era o período da folia pagã do reino, que ocorria em fevereiro, mas havia um novo tipo de festividade: o avanço no pré-cheque especial. Isso mesmo, os jamaislandeses eram estranhos, pois se divertiam queimando dinheiro nos fornos do agiobanco, quando poderiam poupar seus pré-salários, adiar compras supérfluas ou usar outras formas de crédito, menos incendiárias.
Em um período em que a seca na maior cidade do reino fazia arder os olhos e sangrar os narizes, eles empestavam o ar com cheiro de pré-dinheiro queimado.
O Código de Defesa dos Súditos nada podia contra esse hábito nocivo. O que fazer quando alguém entra em uma das agências do agiobanco, pega um talão de pré-cheques especiais e se prepara para a caça às liquidações? Efetivamente, nada. Jamaislândia é um reino abençoado e bonito por natureza.
Agora, cruzam os dedos para que os consumidores de gás não fiquem desabastecidos por causa de uma disputa em um pequeno reino vizinho. Que, embora tratado a pão-de-ló pelo rei e pelos nobres de Jamaislândia, sempre que pode ameaça com um corte de gás ali, uma desfeita acolá.
Tudo isso ocorre quando faltam algumas semanas para as eleições dos vizires municipais. Que prometem canalizar os rios de leite e mel, para que os súditos não tenham de enfrentar longas filas, enquanto esperam, também, o maná cair do céu.
A temporada do pré-cheque especial está fazendo vítimas, os jornais do reino explicam os riscos que todos correm, mas quem está preocupado com isso? Gaste hoje e pense em como pagar amanhã é o lema dessa peculiar festividade.
Não vão longe os dias em que os idosos ficavam em maus lençóis, devendo suas murchas pensões no jogo do pré-empréstimo consignado. Nessa época ainda não se falava em pré-sal, caso contrário, a pressão deles teria ido para as nuvens, e eles já não estariam entre nós.
Súditos de Jamaislândia, não usem o pré-cheque especial, exceto em emergências, ou quando faltarem alguns dias para o pré-salário. Como forma de financiar compras, nunca em Jamaislândia.

http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br


Texto Anterior: Luxo só: É duro ser babá de bilionário
Próximo Texto: Bagagem: Um dia na vila de Berlim
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.