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A crise existencial das embalagens
Aumento da oferta de produtos, questões ambientais e mudanças nos hábitos dos consumidores aceleram o ciclo de renovação das embalagens
DA REPORTAGEM LOCAL
As embalagens mais afinadas
com o espírito do tempo, se
querem mesmo chamar a atenção dos consumidores, precisam agora ter um ciclo de vida
um pouco mais longo do que
esse modelo gôndola-lixo.
Para não ser vista como "vilã"
da sustentabilidade, a indústria
investe em soluções que resgatam conceitos do passado mas,
também, cria novas utilidades
com o objetivo de reafirmar a
razão de ser das embalagens.
"A aposta atual é na melhoria
da fabricação da embalagem,
além do descarte", afirma a designer Gisela Schulzinger,
coordenadora do Comitê de
Design da Abre (Associação
Brasileira de Embalagem).
Um exemplo dessa tendência
são as margarinas produzidas
pela multinacional Unilever,
que receberam uma nova embalagem com tampa transparente em forma de onda, em
maio do ano passado. "A gôndola de margarina é fria, tudo é
parecido. É difícil criar diferenciação de produto ali", diz Fernanda Pereira, 28, gerente de
marketing da marca Becel. A
intenção da mudança, segundo
ela, foi possibilitar o uso da embalagem mais vezes após o consumo do produto, e, naturalmente, chamar a atenção do
comprador, no meio de todos
aqueles concorrentes. O novo
formato foi criado no Brasil, a
partir de pesquisas com consumidores, e está sendo usado em
outros países da América Latina, como Chile e Colômbia.
A Femsa, que produz a Coca-Cola no Brasil, está iniciando a
distribuição de uma garrafa
PET retornável, de dois litros.
O produto começou a aparecer
nos supermercados de São
Paulo, acompanhado de uma
faixa que diz: "vai, vem e cai
bem". A motivação, aqui, parece mais econômica do que ecológica. Quem compra a garrafa
pela primeira vez paga R$ 3,19.
Se o consumidor leva o casco, a
Coca sai por R$ 2,29. No supermercado Futurama da Vila
Buarque, região central, os
PETs retornáveis estão à venda
há dois meses, segundo o fiscal
da loja, Luiz Carlos Alves, 49.
"Os clientes gostam porque o
preço é menor", diz.
A adoção das embalagens duradouras ou retornáveis cresce
fora do Brasil. "A praticidade é
a preocupação predominante.
Acredito que demore uns dez
anos até essa consciência ser
disseminada aqui", diz Paulo
Al-Assal, diretor da Voltage.
Nesse tempo, a preocupação
com a procedência da embalagem deverá crescer. "Daqui a
pouco, a reciclagem será óbvia", diz Dario Caldas, diretor
do Observatório de Sinais.
Além de aumentar a durabilidade, a indústria começa a pensar em novas funções para as
embalagens. No Brasil, tais inovações estão ligadas à conservação dos alimentos e à praticidade. Pratos prontos, como
carne com batata da Swift, são
vendidos em saquinhos "stand
up pouch" (bolsa que fica em
pé), que pode ir ao microondas.
Design limpo
É muita informação. "Light",
"aerado", "pronto em três minutos". Os rótulos querem dizer tudo de uma vez. O birô Future Lab dá exemplos de embalagens européias que vão em
outra direção: na do design limpo, com rótulos tipográficos (só
com letras, sem imagens).
"Aqui o padrão dominante é
o dos EUA, mais apelativo. Na
Inglaterra é outro nível, tem fotos em preto-e-branco; parece
"National Geographic'", diz Fabio Mestriner, coordenador do
Núcleo de Embalagem da
ESPM. Para ele, o padrão
"clean" não funciona aqui.
"Quando fazemos pesquisas
entre embalagens limpas e coloridas, as últimas sempre vencem na preferência dos consumidores", diz.
Alguns produtos caminham
para o "menos é mais". Caso de
embalagens da linha Taeq, do
Pão de Açúcar, em que o branco
predomina. "Bombardear o
consumidor nem sempre é o
melhor", diz Gisela Schulzinger, da Abre. Ela ressalva que as
mudanças na aparência não devem perder o contato com o
consumidor brasileiro. Ao contrário do que acontece na Europa, por exemplo, aqui não daria
para vender chocolate sem estampar a foto dele no rótulo - o
chamado "appetite appeal".
(DÉBORA MISMETTI)
Refil é exceção
Cada vez que o xampu,
o requeijão ou o pote de
achocolatado acaba, lá vai
o consumidor ao supermercado
comprar outro
exatamente igual e mandar
para o lixo a embalagem
anterior. No Brasil,
a oferta de mercadorias
com refil ainda é baixa.
Entre os poucos produtos
à venda com essa alternativa
predominam os
de limpeza, como ceras,
alvejantes e limpa-vidros.
Mas a maioria das embalagens,
nesses casos, é
pouco econômica, feita
com o mesmo material
daquela que não é refil.
Na indústria de cosméticos,
a Natura investe nesse
tipo de produto desde
1983. Hoje, o catálogo da
marca tem refi s de base,
batom, xampu e hidratante.
Este ano, a Avon
lançou dois produtos com
embalagem refil: um gel e
um creme para o rosto.
Exemplos criativos
As garrafas da água
vitaminada para crianças
Y Water, vendidas nos
Estados Unidos, viram um
brinquedo quando estão
vazias. Os consumidores
podem pedir ao fabricante
pecinhas para juntar
as embalagens e formar
figuras, que depois são fotografadas
e postadas no site da bebida. O exemplo,
que está no relatório do
birô inglês Future Lab,
mostra um jeito criativo
de evitar que as garrafinhas acabem no lixo após
o consumo. O designer
Karim Rashid criou para
o perfume feminino da
grife Issey Miyake uma
embalagem que serve de
estojo de viagem, mais
um incentivo para distanciar
o frasco vazio da lata
do lixo. As caixas pretas
de produtos da Apple acabam
virando decoração de escritório para quem
não vive sem o último
modelo de iPod.
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