São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2008

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A crise existencial das embalagens

Aumento da oferta de produtos, questões ambientais e mudanças nos hábitos dos consumidores aceleram o ciclo de renovação das embalagens

DA REPORTAGEM LOCAL

As embalagens mais afinadas com o espírito do tempo, se querem mesmo chamar a atenção dos consumidores, precisam agora ter um ciclo de vida um pouco mais longo do que esse modelo gôndola-lixo.
Para não ser vista como "vilã" da sustentabilidade, a indústria investe em soluções que resgatam conceitos do passado mas, também, cria novas utilidades com o objetivo de reafirmar a razão de ser das embalagens.
"A aposta atual é na melhoria da fabricação da embalagem, além do descarte", afirma a designer Gisela Schulzinger, coordenadora do Comitê de Design da Abre (Associação Brasileira de Embalagem).
Um exemplo dessa tendência são as margarinas produzidas pela multinacional Unilever, que receberam uma nova embalagem com tampa transparente em forma de onda, em maio do ano passado. "A gôndola de margarina é fria, tudo é parecido. É difícil criar diferenciação de produto ali", diz Fernanda Pereira, 28, gerente de marketing da marca Becel. A intenção da mudança, segundo ela, foi possibilitar o uso da embalagem mais vezes após o consumo do produto, e, naturalmente, chamar a atenção do comprador, no meio de todos aqueles concorrentes. O novo formato foi criado no Brasil, a partir de pesquisas com consumidores, e está sendo usado em outros países da América Latina, como Chile e Colômbia.
A Femsa, que produz a Coca-Cola no Brasil, está iniciando a distribuição de uma garrafa PET retornável, de dois litros. O produto começou a aparecer nos supermercados de São Paulo, acompanhado de uma faixa que diz: "vai, vem e cai bem". A motivação, aqui, parece mais econômica do que ecológica. Quem compra a garrafa pela primeira vez paga R$ 3,19. Se o consumidor leva o casco, a Coca sai por R$ 2,29. No supermercado Futurama da Vila Buarque, região central, os PETs retornáveis estão à venda há dois meses, segundo o fiscal da loja, Luiz Carlos Alves, 49. "Os clientes gostam porque o preço é menor", diz.
A adoção das embalagens duradouras ou retornáveis cresce fora do Brasil. "A praticidade é a preocupação predominante. Acredito que demore uns dez anos até essa consciência ser disseminada aqui", diz Paulo Al-Assal, diretor da Voltage.
Nesse tempo, a preocupação com a procedência da embalagem deverá crescer. "Daqui a pouco, a reciclagem será óbvia", diz Dario Caldas, diretor do Observatório de Sinais.
Além de aumentar a durabilidade, a indústria começa a pensar em novas funções para as embalagens. No Brasil, tais inovações estão ligadas à conservação dos alimentos e à praticidade. Pratos prontos, como carne com batata da Swift, são vendidos em saquinhos "stand up pouch" (bolsa que fica em pé), que pode ir ao microondas.

Design limpo
É muita informação. "Light", "aerado", "pronto em três minutos". Os rótulos querem dizer tudo de uma vez. O birô Future Lab dá exemplos de embalagens européias que vão em outra direção: na do design limpo, com rótulos tipográficos (só com letras, sem imagens).
"Aqui o padrão dominante é o dos EUA, mais apelativo. Na Inglaterra é outro nível, tem fotos em preto-e-branco; parece "National Geographic'", diz Fabio Mestriner, coordenador do Núcleo de Embalagem da ESPM. Para ele, o padrão "clean" não funciona aqui. "Quando fazemos pesquisas entre embalagens limpas e coloridas, as últimas sempre vencem na preferência dos consumidores", diz.
Alguns produtos caminham para o "menos é mais". Caso de embalagens da linha Taeq, do Pão de Açúcar, em que o branco predomina. "Bombardear o consumidor nem sempre é o melhor", diz Gisela Schulzinger, da Abre. Ela ressalva que as mudanças na aparência não devem perder o contato com o consumidor brasileiro. Ao contrário do que acontece na Europa, por exemplo, aqui não daria para vender chocolate sem estampar a foto dele no rótulo - o chamado "appetite appeal".
(DÉBORA MISMETTI)


Refil é exceção

Cada vez que o xampu, o requeijão ou o pote de achocolatado acaba, lá vai o consumidor ao supermercado comprar outro exatamente igual e mandar para o lixo a embalagem anterior. No Brasil, a oferta de mercadorias com refil ainda é baixa.
Entre os poucos produtos à venda com essa alternativa predominam os de limpeza, como ceras, alvejantes e limpa-vidros.
Mas a maioria das embalagens, nesses casos, é pouco econômica, feita com o mesmo material daquela que não é refil.
Na indústria de cosméticos, a Natura investe nesse tipo de produto desde 1983. Hoje, o catálogo da marca tem refi s de base, batom, xampu e hidratante.
Este ano, a Avon lançou dois produtos com embalagem refil: um gel e um creme para o rosto.

Exemplos criativos

As garrafas da água vitaminada para crianças Y Water, vendidas nos Estados Unidos, viram um brinquedo quando estão vazias. Os consumidores podem pedir ao fabricante pecinhas para juntar as embalagens e formar figuras, que depois são fotografadas e postadas no site da bebida. O exemplo, que está no relatório do birô inglês Future Lab, mostra um jeito criativo de evitar que as garrafinhas acabem no lixo após o consumo. O designer Karim Rashid criou para o perfume feminino da grife Issey Miyake uma embalagem que serve de estojo de viagem, mais um incentivo para distanciar o frasco vazio da lata do lixo. As caixas pretas de produtos da Apple acabam virando decoração de escritório para quem não vive sem o último modelo de iPod.


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