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FORA DO "PERFIL"
Procura-se um modelito de grife no manequim 46
Quem veste além do tamanho 44 acha difícil escolher roupa; marcas dizem que esse público não é seu "foco"
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de três horas de caminhada por Oscar Freire e arredores, a analista de marketing
Lidiane Feliciano, 34, manequim 46, consegue achar uma
peça que ela goste, tenha na sua
numeração e lhe caia bem.
Até ali, em vez de escolher as
roupas, Lidiane foi escolhida
pelas poucas que couberam nela. As vendedoras dizem: "Dificilmente chega alguma coisa
acima de 44". Ou: "Vou ver no
estoque". Quem está acima do
peso fica atrás das grades.
A peça que Lidiane gostou é
uma camisa-vestido sem ombros, definida pela vendedora
como "totalmente setentinha".
Assinada pelo belga (Martin)
Margiela, conhecido pelos
looks grandes e desestruturados, o camisão de seda preto
custa R$ 2.470, na Dsquared.
Cabe em Lidiane, mas não no
orçamento dela. Para um importado, porém, em termos de
tamanho, é um achado: em seu
périplo, Lidiane aprendeu que
a numeração europeia é menos
generosa que a brasileira. A
grade daqui é feita para dar a
uma mulher que veste 46 a impressão de que está entrando
em um 44. "Isso aqui é 46???",
espanta-se Lidiane, na italiana
Salvatore Ferragamo, suspendendo pelos ombros uma jaqueta acinturada. O vendedor
apareceu com os modelinhos
46 após: "Tenho alguma coisa
nessa numeração, sim".
Vencido pelas evidências, ele
explicou que muitas brasileiras
não encontram seu número ali.
Mas o Brasil não é tido como
um dos melhores mercados do
luxo do mundo? Não valeria a
pena aumentar a grade?
"É um mercado bom, mas insignificante, se comparado ao
europeu e ao americano. Eles
preferem cuidar da imagem da
marca do que vesti-la em pessoas que não sejam o seu perfil.
E para aumentar um tamanho
você tem de mudar a modelagem. A roupa passa a ser outra."
"Estou entrando em "depressão-Oscar Freire'", diz Lidiane
na Emporio Armani, depois
que a atenciosa vendedora desce sete casacos 44, e todos ficam muito justos (ou curtos)
em Lidiane. "Não fica assim,
calma", diz a vendedora, mostrando outro modelo de
R$ 2.500. O de pele sintética,
com "o preço ótimo" (R$ 1.780)
vendeu muito, diz ela. A essa altura, Lidiane não sabe dizer se é
mais fácil perder peso ou ganhar dinheiro. "Emagrecer é
mais fácil, acho", diz ela.
A Oscar Freire não é o lugar
mais barato do mundo, mas é
possível achar roupas relativamente em conta. Jeans, por
exemplo. Mas e o tamanho?
A Zoomp tem: três modelos
(a moça foi buscar no estoque,
intactos, dentro do plástico);
Guess não tem; Osklen, nem
pensar; Forum, não; Miss Sixty,
sim ("É porque tem a linha
strecht", diz o vendedor).
As grifes evitam falar sobre o
assunto. Forum diz, por meio
da assessoria, que não fala. A
Zoomp informa que, normalmente, a numeração só vai até o
44, mas que, por achar que "todas as pessoas merecem vestir
um jeans Zoomp", agora oferece umas quatro ou cinco opções
de lavagens e modelos até o 48.
A Ellus diz que é mais fácil
encontrar mais peças nos números 38 e 40, assim como
acham-se mais pares de sapato
37 e 38, por serem o tamanho
do pé da maioria, e que o manequim 46 não representa nem
1% do total das vendas da grife.
Na Armani, explicam que
uma de suas linhas vai até 52 e é
grande o suficiente para vestir
pessoas acima do peso.
Na Le Lis Blanc, brasileira, a
vendedora desce 14 modelos,
todos num 46 pequeno. "[A
mulher acima do peso] Não é o
nosso foco", diz a assessoria.
Ainda se acham peças estilo batas, "que a magra usa muito folgadas", regatas oversize ou vestidões floridos. Lidiane não
"amou" nada. "Tem de tomar
cuidado para não parecer capa
de botijão de gás", diz.
No fim, entre modelos caros
ou apertados, ou os dois, Lidiane deixa a rua um pouco entendiada. "Nossa, não como desde
as 13h. Tô morta de fome!"
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