São Paulo, sábado, 30 de janeiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FORA DO "PERFIL"

Procura-se um modelito de grife no manequim 46

Quem veste além do tamanho 44 acha difícil escolher roupa; marcas dizem que esse público não é seu "foco"

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de três horas de caminhada por Oscar Freire e arredores, a analista de marketing Lidiane Feliciano, 34, manequim 46, consegue achar uma peça que ela goste, tenha na sua numeração e lhe caia bem.
Até ali, em vez de escolher as roupas, Lidiane foi escolhida pelas poucas que couberam nela. As vendedoras dizem: "Dificilmente chega alguma coisa acima de 44". Ou: "Vou ver no estoque". Quem está acima do peso fica atrás das grades.
A peça que Lidiane gostou é uma camisa-vestido sem ombros, definida pela vendedora como "totalmente setentinha". Assinada pelo belga (Martin) Margiela, conhecido pelos looks grandes e desestruturados, o camisão de seda preto custa R$ 2.470, na Dsquared.
Cabe em Lidiane, mas não no orçamento dela. Para um importado, porém, em termos de tamanho, é um achado: em seu périplo, Lidiane aprendeu que a numeração europeia é menos generosa que a brasileira. A grade daqui é feita para dar a uma mulher que veste 46 a impressão de que está entrando em um 44. "Isso aqui é 46???", espanta-se Lidiane, na italiana Salvatore Ferragamo, suspendendo pelos ombros uma jaqueta acinturada. O vendedor apareceu com os modelinhos 46 após: "Tenho alguma coisa nessa numeração, sim".
Vencido pelas evidências, ele explicou que muitas brasileiras não encontram seu número ali. Mas o Brasil não é tido como um dos melhores mercados do luxo do mundo? Não valeria a pena aumentar a grade?
"É um mercado bom, mas insignificante, se comparado ao europeu e ao americano. Eles preferem cuidar da imagem da marca do que vesti-la em pessoas que não sejam o seu perfil. E para aumentar um tamanho você tem de mudar a modelagem. A roupa passa a ser outra."
"Estou entrando em "depressão-Oscar Freire'", diz Lidiane na Emporio Armani, depois que a atenciosa vendedora desce sete casacos 44, e todos ficam muito justos (ou curtos) em Lidiane. "Não fica assim, calma", diz a vendedora, mostrando outro modelo de R$ 2.500. O de pele sintética, com "o preço ótimo" (R$ 1.780) vendeu muito, diz ela. A essa altura, Lidiane não sabe dizer se é mais fácil perder peso ou ganhar dinheiro. "Emagrecer é mais fácil, acho", diz ela.
A Oscar Freire não é o lugar mais barato do mundo, mas é possível achar roupas relativamente em conta. Jeans, por exemplo. Mas e o tamanho?
A Zoomp tem: três modelos (a moça foi buscar no estoque, intactos, dentro do plástico); Guess não tem; Osklen, nem pensar; Forum, não; Miss Sixty, sim ("É porque tem a linha strecht", diz o vendedor).
As grifes evitam falar sobre o assunto. Forum diz, por meio da assessoria, que não fala. A Zoomp informa que, normalmente, a numeração só vai até o 44, mas que, por achar que "todas as pessoas merecem vestir um jeans Zoomp", agora oferece umas quatro ou cinco opções de lavagens e modelos até o 48.
A Ellus diz que é mais fácil encontrar mais peças nos números 38 e 40, assim como acham-se mais pares de sapato 37 e 38, por serem o tamanho do pé da maioria, e que o manequim 46 não representa nem 1% do total das vendas da grife.
Na Armani, explicam que uma de suas linhas vai até 52 e é grande o suficiente para vestir pessoas acima do peso.
Na Le Lis Blanc, brasileira, a vendedora desce 14 modelos, todos num 46 pequeno. "[A mulher acima do peso] Não é o nosso foco", diz a assessoria. Ainda se acham peças estilo batas, "que a magra usa muito folgadas", regatas oversize ou vestidões floridos. Lidiane não "amou" nada. "Tem de tomar cuidado para não parecer capa de botijão de gás", diz.
No fim, entre modelos caros ou apertados, ou os dois, Lidiane deixa a rua um pouco entendiada. "Nossa, não como desde as 13h. Tô morta de fome!"


Texto Anterior: Bagagem [compras mundo afora]: Paz, amor e muita bata
Próximo Texto: Crítica de loja [questão de gosto e opinião]: Ferragens à moda antiga
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.