O ROTEIRO MAIS COMPLETO DE SÃO PAULO |
DE 12 A 18 DE SETEMBRO DE 2008 |
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CINEMAEnsaio sobre a Cegueira Reverência ao livro trai vigor característico de MeirellesRicardo Calil Qualquer pessoa poderá fazer uma ou outra restrição ao cinema de Fernando Meirelles, mas ninguém irá dizer que lhe falta vigor. Em alguns momentos de "Cidade de Deus" (2002) e, em menor grau, de "O Jardineiro Fiel" (2005), o problema talvez seja o excesso dele."Ensaio sobre a Cegueira" é, surpresa, um filme pouco vigoroso. Morno, manso, adaptado de um livro -a obra-prima de José Saramago- que não é nada disso. Uma declaração externa ao filme pode ajudar a entender a questão: Meirelles disse que não queria que "Cegueira" fosse confundido com um filme de terror. Certo, Saramago não é Stephen King. Mas o que ele retrata é uma situação de horror: uma epidemia, aos poucos, deixa todos cegos, com exceção de uma mulher (Julianne Moore), e desperta o que há de pior em boa parte das vítimas. Dentro da prisão onde é isolado, um grupo passa a roubar, estuprar e matar os outros, em um crescendo de atrocidades. Em vez de encarar esse material de frente, com as implicações que isso poderia causar, Meirelles contorna o terror e oferece uma versão sanitizada do livro -impressão reforçada pela fotografia embranquecida, leitosa, que é apropriada do ponto de vista visual (a cegueira dos personagens é branca), mas que remete a corredores de hospital iluminados por luz fria. A seqüência do estupro talvez seja a mais representativa das escolhas de Meirelles. O problema não é que ela foi filmada de maneira mais ou menos gráfica (depois do Festival de Cannes, o cineasta fez um segundo corte, mais ameno). Mas sim, que ela é sucedida por uma cena forçosamente poética, na qual as mulheres estupradas fazem a higiene pessoal de uma morta. Troca-se o impacto natural pela acomodação artificial do espectador, o horror pelo bom gosto, e o filme perde sua pegada. Talvez com medo de Saramago, Meirelles terminou por trair a si mesmo. Não recomendado para menores de 14 anos. |
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