Grama do vizinho

Lugar onde nascemos e vivemos influencia em até dois terços a renda que teremos em nossas vidas

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Estudos sobre desigualdade sugerem que fazemos parte de um mundo em que até dois terços da renda que obteremos em nossas vidas serão consequência do lugar onde nascemos e vivemos.

Intuitivamente, imigrantes que tentam entrar nos EUA e na Europa sabem disso. Se perderam a chance na largada, ao nascer, darão um salto instantâneo ao emigrar para um ambiente mais vantajoso em oportunidades, renda e infraestrutura.

Esse desejo será tão maior quanto mais verde parecer o quintal do vizinho. Contam ainda as probabilidades de melhora do nosso gramado. 

No Brasil, 62% dos jovens iriam embora se pudessem, segundo o Datafolha. E nossas décadas de baixo crescimento contrastam, em nível global, com uma das fases mais positivas em termos de redução da desigualdade para o grosso da humanidade.

O economista Branko Milanovic, ex-diretor do Banco Mundial e autor de “Global Inequality” (Harvard University Press) chama de “classe média global emergente” os grandes beneficiários da onda globalizante que o mundo viveu a partir de 1988.

Mulheres vestindo trajes típicos passeiam por Hanói, no Vietnã, país que registra alta velocidade de melhora econômica - Ngo Minh Tien/Xinhua

Nove entre dez deles vivem em economias asiáticas, predominantemente na China, mas também na Índia, na Tailândia, no Vietnã e na Indonésia. 

Os membros da classe média chinesa, por exemplo, viram sua renda real per capita multiplicar-se por três; os da vietnamita e da tailandesa, por dois. 

Como os asiáticos concentram quase dois terços da população da Terra e a renda nos países desenvolvidos quase não cresceu (com a notável exceção da dos 5% mais ricos), houve significativa redução da desigualdade global. 

Os asiáticos ainda são bem mais pobres do que as classes médias nos países avançados. Mas a velocidade da melhora faz prever que em poucas décadas voltaremos a uma situação similar à do início do século 19, quando as grandes desigualdades entre ricos e pobres eram observadas dentro dos países —não entre o Ocidente e a Ásia.

Do ponto de vista brasileiro, perdemos um bonde no qual até chegamos a subir entre 2003 e 2014, quando o rendimento dos 10% mais pobres cresceu 130% acima da inflação, ante 32% no decil mais rico, diminuindo a desigualdade. 

Segundo a FGV Social, 78% dessa melhora se deu pelo trabalho, com mais empregos em um setor privado que investia e contratava. 

O ponto-chave naquele período, diferente de boa parte dos anos anteriores a 2003 e do pós 2014, é que havia confiança na solvência do setor público.

Sem isso de volta, seguiremos querendo pular a cerca.
 

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