Tardia, mostra ilustra críticas de Adoniran Barbosa à cultura do 'pogréssio'
Incrível que, mais de cem anos após seu nascimento, artista ainda nos permita descobertas
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Em janeiro de 1979, caminhando pela remodelada Praça da Sé com o jornalista Julio Saraiva, Adoniran Barbosa manifestou incômodo com o ritmo avassalador de uma cidade que, em nome do "pogréssio", soterrava a própria memória. "Por que é que São Paulo faz isso com São Paulo?"
A pergunta era e sempre será de difícil resposta —mas se torna um mistério inexplicável quando o assunto é a forma com que o município e o estado, em suas esferas institucionais, trataram nas últimas três décadas o legado de um dos artistas-símbolo da cultura paulista.
O Museu Adoniran Barbosa mantido nos anos 1980 pela Secretária de Esportes e Turismo de São Paulo era, na prática, apenas um depósito, que no final dos anos 1990 já nem recebia visitantes.
Nos anos 2000, a família entregou o acervo do sambista para a Secretaria da Cultura —apenas para, ao vê-lo sistematicamente menosprezado, revogar a doação das peças alguns anos depois. Difícil pensar em um maior atestado de incompetência do que esse.
Mas, enquanto as autoridades davam de ombros para o poeta do povo, uma série de heróis anônimos, em iniciativas quase individuais, não desistia da ideia de devolver Adoniran a São Paulo.
E como "quem trabalha, tudo pode conseguir" —um dos versos da inspiradora "Abrigo de Vagabundos"—, esses esforços são agora recompensados em grande estilo.
Ao menos até dezembro, a nova maloca de Adoniran, quem diria, é o mais emblemático dos arranha-céus da cidade, o Farol Santander. E assim como o tradicional edifício, que reabriu as portas no início do ano repleto de novidades e sem perder a essência, o que se apresenta nessa grande exposição é um novo Adoniran, maior do que aquele que habita nosso imaginário.
Nessa viagem, os visitantes terão a oportunidade de ver, claro, a trajetória completa do músico que iniciou sua carreira nos anos 1930 imitando os sambistas cariocas e que, no meio do caminho, criou um estilo próprio, com a temática popular e os erros de português que acabariam lhe dando fama.
Mas, a exemplo da metrópole que eternizou em sua obra, Adoniran é eclético e complexo —e é esse profissional múltiplo que a nova geração de paulistanos terá a oportunidade de encontrar pela primeira vez.
Ator de cinema? Radioator? Comediante? Estrela de novelas?
Todas as anteriores. Adoniran era um multimídia, muito antes de a palavra ter sido inventada. E assim também é sua exposição, altamente imersiva, com cenografia assinada pela Caselúdico, responsável por outras mostras arrasa-quarteirão em São Paulo, como "Castelo Rá-Tim-Bum" e "O Mundo de Tim Burton".
É incrível que, mais de cem anos depois de seu nascimento, Adoniran ainda nos permita descobertas. "Se assoprarem, posso acender de novo", ele gostava de dizer. Façam o teste.
Celso de Campos Jr.
Autor de "Adoniran - uma Biografia"