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'A Favorita' revela e condena vícios da sociedade inglesa do século 18

Filme do grego Lanthimos deixa clara a lei da selva dos meios dominados pela falta de ética

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Bruno Ghetti

A Favorita (The Favourite)

Avaliação: Ótimo
  • Quando: Mostra: Sab. (20) e Qua. (24)
  • Classificação: 14 anos
  • Elenco: Emma Stone, Rachel Weisz, Olivia Colman
  • Produção: Reino Unido/Irlanda/EUA, 2018
  • Direção: Yorgos Lanthimos

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Entre os diretores queridinhos dos festivais atuais, é difícil eleger o mais sensacionalista, mas Yorgos Lanthimos é um candidato forte. O grego é afeito a projetos ambiciosos e complexos, como “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, mas o visual arrojado e as tramas excêntricas não costumam levar seus filmes muito além do mero exercício estético do choque. É um cinema que impressiona, mas em geral oco, vão.

Em seus piores momentos, “A Favorita” é puro Lanthimos. Mas, felizmente, desta vez o cineasta conta com o material perfeito para seu estilo: é um filme sobre truques, malandragem, pessoas habilidosas que fingem uma coisa, mas que estão sempre ludibriando as demais. E o roteiro —que desta vez não é da autoria do diretor— é mais substancioso e vivo que de hábito; é um manancial de ironias e falas mordazes.

Na Inglaterra do século 18, a rainha Ana (Olivia Colman) é uma mulher pueril e birrenta, mas sobretudo insegura; é incapaz de tomar uma decisão por conta própria. Depende das sugestões de Sarah (Rachel Weisz), nobre voluntariosa e de inteligência vulpina, que é sua principal confidente (entre outras coisas). É quem, de fato, governa o país.

Quando a plebeia Abigail (Emma Stone) surge no palácio, trabalhando como aia, vai aos poucos ganhando a simpatia e a confiança da rainha. Logo, rivalizará com Sarah na briga por seu favoritismo. As duas usarão todas as táticas que conhecem para puxar o tapete uma da outra. 

Grande parte do prazer que “A Favorita” oferece está justamente em testemunhar Sarah e Abigail em pleno combate, golpeando-se mutuamente com tiradas rápidas e venenosas. Nenhum homem da corte é páreo para elas, que, altivas, se impõem por sua astúcia; de certo modo, são feministas involuntárias e avant la lettre.

O roteiro segue a melhor tradição picaresca, com as (anti-)heroínas se valendo da principal marca aristocrática, a hipocrisia, para atingir suas metas. E Lanthimos é muito feliz em sua reconstituição barroca e insolente do século 18. As imagens distorcidas, em grande angular, dão um toque especial de insanidade, assim como a aflitiva trilha monocórdica, usada longamente em cenas-chave, que confere um sabor extra de iconoclastia.

A aristocracia vista por Lanthimos é um poço de licenciosidade e corrupção. Os jogos de poder são seu esporte favorito, e nesse sentido o filme lembra “Ligações Perigosas”. Mas o parentesco maior é com “Barry Lyndon” (sobretudo o livro de Thackeray), na observação cômica da dissimulação dos ricos.

Mas “A Favorita”, embora cínico, não é de todo amoral: mostra os vícios dessa sociedade, mas os condena, por fim. Apenas deixa clara a lei da selva dos meios dominados pela falta de ética: ali, só os mais espertos têm vez.

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