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Artes Cênicas

Peça cristaliza a selvageria como linguagem

Com direção e dramaturgia de Pedro Granato, violência de '11 Selvagens' sintetiza a história brasileira recente

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Bruno Machado

11 Selvagens

Avaliação: Bom
  • Quando: Sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h. Até 27/10
  • Onde: Centro Cultural São Paulo, r. Vergueiro, 1.000, São Paulo
  • Preço: Ingr.: R$ 30
  • Classificação: 16 anos

Em "11 Selvagens", a violência e o sexo são bombas-relógio prestes a explodir. A dramaturgia do também diretor Pedro Granato transforma cenários aparentemente inofensivos, como uma sala de cinema ou um karaokê, em campos de batalha onde se digladiam homens e mulheres, homo e heterossexuais, "coxinhas" e "esquerdistas".

São caricaturas, representadas por 11 atores, que povoam redes e ruas polarizadas por visões políticas e ideológicas antagônicas. O formato de arena do espaço cênico sugere que o cotidiano foi convertido num ringue de vale-tudo.

Esquetes de humor amargo, as cenas curtas revelam jogos de poder contidas em situações prosaicas. Elas, por sua vez, não raro, resvalam em violência física e em gozo desenfreado —indistintos. Escritas há dois anos, as situações encenadas confundem-se com as atuais manchetes políticas e policiais.

De fato, o antagonismo e a violência crescentes representados no espetáculo sintetizam a história brasileira recente. A encenação realiza espécie de percurso, ora literal, ora metafórico, que se inicia nas manifestações de junho de 2013, passa pela deposição de Dilma Rousseff, em 2016, e culmina com o paroxismo da polarização social às vésperas das eleições presidenciais de 2018.

Se qualquer tentativa de diálogo cede à brutalidade, somente expressões de poder, como o sexo e a violência, são capazes de aplacar os indivíduos. Frente ao desmoronar da civilidade, essas pulsões atávicas abrandam, ainda que momentaneamente, e não sem consequências, as diferenças sociais e ideológicas.

Tais temáticas são propícias para criar potentes efeitos catárticos. Hábil, o diretor os aplica na construção das cenas que, normalmente, começam com o elenco contracenando junto ao público antes de partir para o palco, onde a tensão atinge o ápice, numa combinação de música e dança.

Esse último recurso aponta para a precariedade da palavra —a civilidade— diante da realidade, complexa, e da decorrente irrupção do extralinguístico —o selvagem— sugerido pela expressão corporal.

Ainda que produza os efeitos pretendidos, essa mesma estrutura é replicada em praticamente todas as cenas do espetáculo. O resultado é ligeiramente repetitivo —variações de um mesmo tema.

Ao eximir-se da difícil tarefa de oferecer uma explicação para a grave situação sociopolítica atual, e limitar-se a representá-la, a peça cristaliza a selvageria como linguagem. Contudo, não se trata de uma apologia à violência. Se, por um lado, a crítica contida no espetáculo pode soar inócua e superficial, pois esmagada pela força física, por outro, é uma coerente, ainda que amarga, constatação de que, numa sociedade em estado de selvageria, não há diálogo possível.

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