Descrição de chapéu Artes Cênicas

Nuno Ramos faz performance com ar de protesto após Record cancelar debate

Atores interpretaram trechos da tragédia 'Antígona' mesclados com a programação do canal

Fernando Tadeu Moraes
São Paulo

Além de privar a população de conhecer melhor as propostas dos dois candidatos à Presidência, o cancelamento do debate da TV Record —em razão da ausência de Jair Bolsonaro (PSL)— trouxe um problema para Nuno Ramos.

O artista e escritor concebera uma série de três performances que interagiriam com debates da televisão. A primeira ocorreu durante o último debate do primeiro turno, em 4 de outubro. Neste domingo (21), seria a vez da segunda.

Originalmente, atores receberiam ao vivo os áudios do debate e, em determinados momentos, de outros atores, trechos da tragédia "Antígona", de Sófocles. Os atores-candidatos então mesclariam as falas do debate com as da peça grega na transmissão para o público.

A mudança de última hora, contudo, não abalou Ramos. O artista manteve a ação, adaptando-a aos acontecimentos. Com o gesto, deu à nova performance ares de protesto artístico.

A ação, realizada na Casa do Povo, em São Paulo, teve início no mesmo horário em que estava marcado o debate, 22h. No começo, um Polinices retornado do mundo dos mortos adentra o espaço e explica aos espectadores o que virá a seguir.

Na tragédia grega, Antígona é irmã de Polinices, que disputou com Etéocles o trono de Tebas e morreu, junto com seu adversário, na batalha.

Após o assassínio mútuo, Creonte, irmão de Jocasta e cunhado de Édipo, assume o poder. O novo governante decide que o Etéocles receberia o devido cerimonial, mas o corpo de Polinices seria deixado aos cães às aves, numa forma de intimidar quem tentasse tomar o trono. Antígona descumpre a ordem e é condenada à morte. 

Na performance, Polinices, após as rápidas explanações iniciais, cobre-se de cal e deita-se no centro do espaço. 

Na ausência da cantilena política, os atores começam então a receber e reproduzir o conteúdo que a Record transmitia no momento. Era a hora do jornalístico "Domingo Espetacular".

O pólen das flores, a história de um membro da Guarda Civil Metropolitana e o congestionamento de satélites no espaço são intercalados por falas de Antígona, Creonte e do coro, numa algaravia de vozes e assuntos.

Após cerca de 25 minutos, microfonias tomam o ambiente. A frase "os homi tá cá razão", trecho de "Saudosa Maloca", de Adoniran Barbosa, é repetida em loop pelos atores.

Inicia-se a partir daí um processo gradual de emudecimento. Na segunda parte da ação, os intérpretes-candidatos passam a reproduzir ao vivo apenas expressões pertencentes ao campo semântico da palavra tempo, seja da Antígona, seja da programação ao vivo: quando, moderno, três vezes, uma década, às vezes, já já...

Na terceira e última parte da performance, os atores praticamente se calam, reduzindo sua ação a poucos gestos e expressões, como espirros e lamentos. O resultado é um silêncio eloquente, que representa, de outra forma, as sentenças proferidas por Polinices no início: não vai ter debate. Para que debate? 

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