Ditadura e revisionismo
Fala de Toffoli revela imensa ignorância histórica
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Neste mês em que estamos ameaçados de a sociedade brasileira eleger um presidente apologista de todas as técnicas utilizadas pela ditadura no combate e desqualificação do opositor —tortura, fuzilamento, autorização para execuções arbitrárias e ilegais, discriminação das mulheres e homofobia—, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, aproveita-se de uma conferência sobre os 30 anos da Constituição de 1988 para dizer que o golpe, a ditadura, e o regime militar de 1964 foram apenas um movimento.
O revisionismo dessa interpretação vai além de tentar consolidar a ditadura de 1964 como experiência justificável em nossa história. O ministro, de fato, ratifica a negação dos crimes da ditadura que a democracia não conseguiu de todo desmontar.
Em 1979, o governo militar promulgou a Lei da Anistia, que concedia perdão (indulto) a militares envolvidos em violações aos direitos humanos anteriores àquela lei. Em virtude dessa lei, nenhum militar ou agente do Estado foi julgado ou condenado por seus crimes.
De certa forma, o presidente do Supremo manifesta-se pela total consagração da impunidade dos crimes da ditadura militar pelo Supremo, ao reconhecer como válida a autoanistia que os militares se concederam.
Essa confluência do presidente do Supremo com o negacionismo dos crimes da ditadura é reveladora de sua imensa ignorância sobre a história política do Brasil, massacrando a citação de um historiador e arguindo a autoridade, no caso inexistente, do atual ministro da Justiça.
Ao contrário do que Toffoli enunciou, é fato assentado documentalmente que de 1964 a 1985 prevaleceu no Brasil um regime de exceção que torturou, matou ou "fez desaparecer" milhares de pessoas —dentre elas, estudantes, militantes políticos e sindicalistas.
O ministro, pela ignorância crassa dos fatos, deve desculpas aos familiares dos assassinados, presos, torturados e desaparecidos. Mas essa ignorância ainda é mais grave porque revela um total desconhecimento do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), escrito a partir dos depoimentos de centenas de vítimas e familiares, bem como do registro dos autores mais qualificados da historiografia nacional.
A CNV concluiu que a prática de detenções ilegais e arbitrárias não constituía "excessos" ou "abusos", mas sim resultou de uma política de Estado, com uma cadeia de comando que ia do general presidente até os Doi-Codis, os órgãos de inteligência e repressão subordinados às Forças Armadas.
Os chefes da tortura, como o coronel Ustra, tão exaltado pela extrema direita, eram lotados no gabinete do ministro do Exército.
Foram identificados 434 casos de mortes e desaparecimentos de pessoas sob a responsabilidade do Estado brasileiro durante o período de 1946-1988.
Em capítulo referente à autoria de graves violações de direitos humanos, enumeraram-se 377 agentes públicos envolvidos em distintos planos de participação: responsabilidade político-institucional, responsabilidade pelo controle e gestão de estruturas e procedimentos e responsabilidade pela autoria direta de condutas que materializaram as violações.
Uma onda autoritária se alastra desde o hemisfério norte, particularmente pela Europa —onde alguns partidos neofascistas e neonazistas integram as coalizões governamentais—, arriscando agora assolar o Brasil.
Esse revisionismo negacionista da ditadura de 1964 constrangedoramente vai ao encontro dessa onda.