Conexão entre candidatos e vagas é maior com algoritmos

Novos processos seletivos facilitam a contratação, mas uso de dados de redes sociais é controverso

Conteúdo restrito a assinantes e cadastrados Você atingiu o limite de
por mês.

Tenha acesso ilimitado: Assine ou Já é assinante? Faça login

Ana Gabriela Verotti Guilherme Botacini
São Paulo

Profissionais de recrutamento e seleção sempre espiaram as redes sociais dos candidatos para checar se eles são quem dizem ser. A novidade é que a análise agora é feita por máquinas. 

Processos tradicionais de recursos humanos, como dinâmicas de grupo e entrevistas, dividem espaço com resultados apresentados por algoritmos, que analisam em bases de dados públicas desde fotos e currículos até postagens e curtidas em redes sociais.

Os algoritmos encontram padrões a partir de informações disponíveis na internet e traçam perfis técnicos e comportamentais de profissionais, explica Seiji Isotani, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP São Carlos.

Reprodução de xilogravura do artista Fernando Vilela - Fernando Vilela

“Tem pessoas que postam durante o trabalho, tem as que postam depois do expediente. Se a empresa constatar que alguém que supostamente está trabalhando das 8 às 12h postou muitas coisas não relacionadas ao trabalho no período de um ano, vai saber que a pessoa não está fazendo o serviço direito.”

Isotani diz que é possível detectar posts relacionados a tendências depressivas. “A gente não sabe, mas todas essas informações estão lá. Se você deixar os posts abertos, qualquer programinha pode coletar os dados”, diz.

Processos de recrutamento inteligentes permitem contratação mais efetiva, segundo Felipe Azevedo, vice-diretor da Lugar de Gente, especializada em seleção e RH.

A escolha é baseada nas análises de competências e de comportamento de candidatos, ainda na fase online do processo seletivo. Isso é comparado com pesquisas internas da empresa, igualmente feitas com a ajuda de robôs, criando parâmetros específicos para cada vaga. É o “people analytics”.

O uso exclusivo de informações de redes sociais pessoais e profissionais não garante a assertividade necessária, segundo Azevedo.

“Assim que surgiu o recrutamento em redes sociais, virou a onda do momento. Um monte de startups dizia que tinha um algoritmo maravilhoso. O desafio é criar um fator qualitativo para dizer se aquilo é válido ou não.” 

Ele acredita que já existe tecnologia para tal, mas que a grande quantidade de informações extraídas das redes sociais ainda não se traduz em contratações mais certeiras.

Para Eduardo Migliano, presidente da 99jobs, o futuro da contratação terá como base mais dados disponíveis para auxiliar nas escolhas tanto das empresas quanto dos candidatos. Ele diz que a tecnologia ajuda a criar conexão maior entre ambos, já que conhecer a empresa e seus valores se torna essencial.

Segundo Migliano, descrições de cargo são formas ultrapassadas de apresentar uma vaga e não refletem o que o candidato vai, de fato, fazer.

Mas a tecnologia, para ele, não substituirá a subjetividade humana na tomada de decisões. Fatores comportamentais não podem ser analisados apenas com base em redes sociais e cruzamento de dados. 

Apesar disso, o recrutamento busca cada vez mais utilizar informações por meio de processos automatizados e de inteligência artificial. Algoritmos mais aprimorados “aprendem” com seus resultados, corrigem-se e tomam decisões a partir de correlações encontradas. 

Paulo Feofiloff, ex-professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP, lembra que esses algoritmos podem achar correlações estatísticas que não necessariamente fazem sentido.

Essa aprendizagem profunda das máquinas tenta emular o funcionamento do cérebro e é chamada de redes neurais profundas (“deep neural networks”, em inglês). Feofiloff comenta, no entanto, que esse aspecto de autoajuste dos algoritmos é “chato e assustador: pela maneira que são construídos, ninguém sabe quais critérios eles usam”.

Além das dificuldades da programação, o uso indiscriminado de dados disponíveis em redes sociais pode gerar também conflitos jurídicos.

De acordo com Paulo Rená, professor do Uniceub (Centro Universitário de Brasília), é necessário dar às pessoas a possibilidade de interferir no modo como são vistas na rede. “As pessoas têm uma postura em casa, outra no trabalho. Você cria essas personas e isso não é diferente no meio digital”, defende ele, que é membro do Instituto Beta, ONG que busca democratizar os meios tecnológicos. 

O publicitário Renato Leal, 27, passou a escolher que tipo de conteúdo postaria em suas redes depois de sentir que alguns colegas queriam conhecê-lo por meio de seus perfis online, e não pessoalmente. 

"Quando vou postar, penso que essa informação não fica mais só pra mim e meu círculo. Não ceifo minhas características, mas dou uma dosada no que quero que saibam de mim antes de me conhecerem”, explica.

Diretor do InternetLab, serviço de pesquisa em direitos e tecnologia, Francisco Brito Cruz afirma que o consentimento é a regra de ouro.

“Há diferentes expectativas de privacidade de usuários, variam de plataforma para plataforma. Precisa estar expresso o consentimento.”

 Ele explica que até 2020, quando deve entrar em vigor a lei federal 13.709, baseada na lei europeia de proteção de dados, não existe regra que garanta proteção adequada. 

“Não é que eu recomende que as pessoas não postem nada. Se o recrutador não é o tipo de pessoa que ela acha que deveria ler aquilo, então ela não deve tornar público.”

 

Relacionadas