Quando finalmente saltar na Olimpíada do Rio, após meses de intenso treino e de expectativa, o atleta Majd Ghazal, 29, avaliará seus objetivos com duas medidas.
A primeira avaliação, e mais imediata, será vertical: chegar o mais alto possível e, assim, vencer a prova na modalidade salto em altura.
Sua segunda meta é colocar uma medalha no pescoço e provar que, a despeito da guerra que assola a Síria, o país é capaz de ser notícia por seu bom desempenho.
Wang Lili/Xinhua | ||
Majd Eddin Ghazal durante a final do desafio Mundial de salto, na China |
Majd é um dos cerca de oito atletas sírios classificados para os Jogos. Sua arriscada rotina de treinos, e os obstáculos políticos que tem de saltar, dão testemunho das provas cotidianas enfrentadas pela população.
A Síria vive um conflito civil desde as manifestações de 2011 que pediam maiores liberdades. O país é governado pelo ditador Bashar al-Assad desde 2000, data da morte de seu pai, Hafez al-Assad.
A repressão do regime e a entrada de grupos armados levaram ao recrudescimento do confronto. Há controvérsias sobre o número de vítimas, mas estima-se que quase 500 mil pessoas tenham sido mortas, além da devastação da estrutura do país.
A situação é especialmente delicada desde que a organização terrorista Estado Islâmico estabeleceu-se, em 2014, em um território que inclui partes da Síria e do Iraque. Há confrontos entre diferentes grupos, incluindo uma franquia da Al Qaeda.
O estádio Tishrin, onde Ghazal treina o salto, está a alguns quilômetros dos combates ao redor da capital síria, Damasco. No passado, alguns atletas foram feridos por ataques vindos de regiões tomadas por rebeldes.
"É difícil, mas gosto de desafiar-me nessa situação", o esportista diz à Folha em entrevista por telefone. Ele afirma não ter receios de ferir-se durante os treinos diários.
Mas ele lamenta não ter tido a oportunidade de viajar ao Marrocos e à Europa para participar de competições, o que poderia ter ajudado na sua preparação para a Olimpíada. Há bloqueios e restrições à movimentação de sírios, devido ao conflito.
"Não me deram o visto porque sou sírio", afirma. "Perdi tempo em que podia ter me tornado mais forte."
Ghazal participou das Olimpíadas de 2008 e 2012, mas não saltou alto o suficiente para receber uma medalha. Ele participou de outros eventos esportivos, nos últimos anos, em países como Coreia do Sul e Índia.
Wang Zhao/AFP | ||
Majd Eddin Ghazal comemora resultado no desafio Mundial de salto, na China |
MARÉ
A atleta síria Baya Jumah, 22, também irá ao Rio para competir. Sua meta será horizontal: ela disputará as medalhas dentro da piscina, no nado feminino. Nascida em Aleppo, no norte da Síria, ela treina hoje na Rússia, de onde falou com a reportagem.
Jumah participou, assim como Ghazal, dos jogos de 2008 e 2012. Neste ano, dentro do contexto político, a disputa terá outro significado para ela. "Pode ser um momento feliz para a Síria."
A nadadora diz que não deixou a Síria devido à guerra, mas porque não havia outras atletas na sua modalidade com quem praticar.
"As pessoas fora da Síria pensam que há apenas a guerra, por causa da televisão e da internet", lamenta.
Mas há guerra, e com impacto também na comunidade esportiva. Parte dos atletas alinhou-se com o regime, e outra parte com rebeldes.
Ambos os esportistas, no entanto, preferem não conversar com a reportagem sobre o conflito sírio. "Eu falo sobre esporte, e não sobre política", afirma Ghazal.