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Campanha de candidatura do Rio para os Jogos teve pedidos de 'mimos'

O esforço diplomático para ajudar o Rio a conquistar a Olimpíada em 2009 contou com dicas de um avaliador do COI (Comitê Olímpico Internacional), pedido constrangedor e dezenas de documentos secretos até hoje.

A campanha para conquistar os votos dos 97 membros do COI foi coordenada pelos executivos do comitê de candidatura. Eles rodaram o mundo atrás de eleitores e mantiveram conversas sobre as quais pouco se sabe.

Alguns detalhes constam de documentos da CGCE (Coordenaçao-Geral de Cooperação Esportiva) obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação. Os diplomatas monitoravam os membros votantes do COI ou quem pudesse influenciá-los.

Os documentos obtidos citam 54 eleitores em Copenhague (Dinamarca), onde houve a eleição da sede dos Jogos.

As abordagens por vezes gerava constrangimentos. Em Uganda, o gerente de esportes do comitê de candidatura, Agberto Guimarães, e a embaixadora Ana Maria Sampaio Fernandes ouviram uma cobrança por contrapartida.

"Um dos membros do UOC [Comitê Olímpico de Uganda], que me pareceu mais inexperiente, perguntou-nos, com candura, como nossas ofertas de cooperação poderiam sobrepassar a de outros candidatos, como o Japão", relatou Fernandes, em referência à candidatura Tóquio. Também disputavam a indicação Madri e Chicago.

O mesmo ouviriam o mesmo do membro do país no COI, o general Francis Nyangweso, morto em 2010.

"Nyangweso mencionou que a candidatura brasileira poderia enfrentar a concorrência de ofertas esportivas de outros candidatos, citando o Japão", escreveu a embaixadora, sob o subtítulo "Quem dá mais...".

"Respondemos que um país em desenvolvimento estaria em desvantagem se se tratasse de comparar ofertas de vagas ou bolsas para treinamento", escreveu ela.

O colégio eleitoral do COI é formado por ex-atletas, dirigentes esportivos, políticos, reis, rainhas e xeques.

A escolha do Rio foi favorecida pela conjuntura na ocasião. O Brasil tinha bons índices econômicos no momento em que o mundo estava em crise financeira.

A cidade também melhorou aspectos técnicos de sua proposta em relação às candidaturas apresentadas anteriormente –para receber os Jogos Olímpicos de 2004 e 2012. No mesmo patamar das rivais, a candidatura do Rio partiu para a política.

Entre os membros citados nos papéis do Itamaraty, as contribuições mais detalhadas vieram da Rússia.

O ex-presidente do comitê olímpico russo, Vitaly Smirnov, afirmou que "muitos membros do COI são pessoas emotivas", motivo pelo qual afirmou ser essencial a presença do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Copenhague.

Outro que ressaltou a importância do petista foi o ex-nadador Alexander Popov, membro da comissão de avaliação do COI. Segundo ele, a ausência de Lula poderia ser sentida caso o presidente Barack Obama fosse defender a candidatura de Chicago.

"Um discurso seu [Obama] na sessão decisiva poderia ter forte impacto, em particular sobre os membros africanos, que Popov considera serem os eleitores mais imprevisíveis", escreveu o embaixador Carlos Antônio Paranhos.

Paranhos relatou outra sugestão da Rússia.

"Smirnov sugeriu que seja incluído no dossiê das cidades candidatas uma programação oferecida pelo país-sede aos familiares que acompanham o membro do COI aos Jogos –no caso brasileiro, viagem à Amazônia ou às cataratas do Iguaçu".

A proposta não constou do dossiê do Rio.

REGRAS

A regra eleitoral do COI desestimula o contato direto entre diplomatas e membros votantes. Ela veda às embaixadas convites "para recepção que tenha como propósito qualquer forma de promoção da candidatura".

O COI analisou os documentos obtidos pela Folha e afirmou não haver infrações. Para o Itamaraty, a regra proibia eventos formais de promoção, não conversas como as relatadas nos documentos obtidos pela reportagem.

No período da campanha, a CGCE produziu ou recebeu 40 documentos secretos, cujo conteúdo só será conhecido em 2023. Segundo o Itamaraty, eles "contêm informações e avaliações consideradas sensíveis".

As regras da eleição foram criadas após o escândalo de suborno na escolha de Salt Lake City como sede da Olimpíada de inverno em 2002. A cidade norte-americana gastou cerca de US$ 1 milhão em mimos para os eleitores.

As eleições do Rio como sede dos Jogos de 2016 e de Tóquio-2020 são investigadas pela polícia francesa sob suspeita de suborno. Não foram divulgados indícios de crime.

Alguns membros do COI se recusaram a conversar com os diplomatas brasileiros, como o português Fernando Bello. Outros aceitaram.

"O Sr. [Francisco] Elizalde fez humor sobre as restrições atualmente vigentes para evitar a corrupção no comitê e sobre todas as restrições aos países candidatos", escreveu o representante brasileiro das Filipinas –em alguns papéis, não há informação sobre quem os assina.

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