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Projeto Editorial 1985-1986, Julho de 1985

O papel de cada editoria

Sob o enfoque propriamente editorial, a Folha tem procurado afinar melhor a sua fisionomia radical-liberal e tornar mais clara a sua opção por reformas estruturais praticáveis e concretas, capazes de contribuir para uma sociedade menos injusta, mais organizada e desenvolvida. É imprescindível, da ótica do jornal, que essas fortaleçam a democracia representativa, contem com respaldo suficiente para lhes garantir viabilidade política e sejam formulados corretamente do ponto de vista técnico.

É preciso que essa orientação encontre ressonância nas diversas áreas do jornal. Não para que se enviese o noticiário, não para que se deixe de publicar notícias ou opiniões que vão em sentido contrário a ela, nem para que se editorializem os títulos e a edição - mas para que o jornal afirme a sua personalidade pública em bloco, mostrando uma mesma linha de preocupações da primeira à última página.

Além das necessidades que já foram expostas até aqui, é preciso que as editorias, as sucursais e as áreas de reportagem desenvolvam essa linha de preocupações dentro das suas respectivas especialidades.

Na área da Política, temos que tornar cada vez mais transparentes os fatos que ocorrem no plano do Estado e dos partidos, estabelecendo uma ponte de comunicação desimpedida entre a esfera pública e a sociedade civil. Devemos fiscalizar o exercício da política no sentido de contribuir para que se elevem a sua qualidade e a sua clareza; devemos tornar a linguagem dos textos sobre política mais simples e mais coloquial; devemos tratar os fatos com uma mentalidade prática e crítica à qual não deve faltar uma certa irreverência, desde que elegante. Devemos ser insistentes na cobrança de compromisso, ter em vista que a política é representação de interesses concretos e considerar natural que ela seja um terreno de conflitos, como espelho artificial da sociedade que é.

Na área de Economia, temos de tratar os temas com a sofisticação técnica que os assuntos do setor reclamam, mas evitar o jargão e a linguagem cifrada. A própria tecnicalidade de que se revestem os assuntos econômicos impõe uma obsessão redobrada com o didatismo, por um lado, e com a exatidão, por outro. Precisamos encontrar um balanceamento adequado entre macro e microeconomia, desenvolvendo melhor a cobertura nessa última área (empresas e negócios) e aprofundando a investigação de bastidores na primeira bem como as implicações, nela, entre fatos aparentemente isolados. Dedicada também à cobertura dos conflitos entre capital e trabalho, essa editoria deve ter uma preocupação especialmente manifestada em publicar a versão dos dois lados, em cada caso.

Na área de Exterior, devemos promover uma disposição crítica diante da política das superpotências e das violações ao princípio da autodeterminação do povos. Ao mesmo tempo, devemos manter uma atitude análoga com relação aos países do Terceiro Mundo que se vêem subjugados por regimes de força, nos quais o poder decisório não se exerce conforme os procedimentos da democracia representativa. Divulgar amplamente as violações dos direitos civis e humanos, onde quer que ocorram. Ter sempre em mente que a seção de Exterior não deve voltar-se apenas para a cobertura da política internacional, mas também para o noticiário geral registrado fora do país.

A área de Geral deve ser a área de prestação de serviço por pressuposto. Cabe a ela desenvolver o tratamento de temas heterodoxos, com interesse para o cotidiano do leitor. Questionar os serviços públicos, criticar os serviços particulares, zelar pelos direitos do cidadão-contribuinte e adotar uma posição de acompanhamento constante e implacável das autoridades nas áreas de segurança, saúde, saneamento, previdência social, urbanismo, transporte etc. Vale especialmente para a Geral o que vale também para a Economia: combinar linguagem acessível com tratamento especializado de temas técnicos; ouvir sempre os dois ou mais lados envolvidos em qualquer conflito. Além disso, a Geral deve procurar um ponto ótimo no equilíbrio temático entre assuntos de interesse social e de interesse estritamente jornalístico, entre o dramático e o pitoresco, entre a tragédia e o cotidiano. Importante que a Geral não seja apenas São Paulo: da atitude da editora nesse capítulo depende em grande parte a projeção e o alcance nacional que a Folha, como jornal regional que é, almeja ter.

Que diz o Projeto com relação a esse problema? Diz, especificamente, que a Folha não é uma publicação local nem nacional, mas uma publicação de base local com repercussão nacional, como se transitasse hoje de um estágio para o outro. Por isso, ao redigir ou preparar qualquer texto, em qualquer área do jornal, devemos perguntar: como o leitor que não mora na cidade nem no Estado de São Paulo vai ler e compreender isto?

A Educação e Ciência deve dar um tratamento mais técnico e menos corporativo aos temas de que tratam normalmente as seções do gênero. Deve aproveitar a oportunidade editorial para fazer um acompanhamento sistemático e atraente do mundo científico, imprimindo um novo dinamismo pragmático a essa especialidade jornalística. É uma área em que o rigor e a exatidão técnica são ainda mais imprescindíveis.

Na área do Esporte, devemos encontrar fórmulas que permitam conciliar o pluralismo programático do jornal com as paixões que o jogo desperta e que o jornal deve transmitir; que permitam combinar a riqueza e a precisão de informações com um tratamento gráfico mais aberto e arrojado. Deve-se estimular, na área, a cobertura de esportes conhecidos do grande público, mas que contam com legiões de aficionados nos setores de classe média, o núcleo fundamental do leitorado da imprensa.

A Ilustrada deve nortear a sua ação editorial pelos pressupostos de que a cultura é hoje um fato de mercado, de que as culturas ditas nacionais se confundem sob a influência da produção industrial internacional e de que é assunto, na sua área, tudo o que mobiliza atenções de massa no universo da arte e do espetáculo. Esse reconhecimento não desobriga o setor, no entanto, da tarefa de desenvolver uma atitude profundamente crítica com relação à cultura de mercado, não para atacar a sua existência, que constitui um fato inarredável, mas para atacar, isto sim, os seus produtos de má qualidade técnica, a sua redundância e as suas mistificações. Não desobriga a Ilustrada, tampouco, de garantir um espaço importante para a arte denominada "de elite". Trata-se, ao mesmo tempo, do setor do jornal que melhor se presta à experimentação conceitual e plástica. Para preencher essas possibilidades, o caderno precisa contar com uma angulação imaginosa dos termos e com sofisticação e eficácia profissional no seu tratamento.

Nos suplementos, a dimensão do serviço deve desfrutar de um predomínio decidido. Eles representam prestação de serviços diretamente ao consumidor: informações sobre imóveis ou empregos, viagens ou passeios turísticos, produtos eletrônicos, automóveis, bens e serviços ligados à vida e à casa moderna.

A Folhinha deve orientar seus esforços no sentido de incorporar a criança ao mundo real, pela informação e não só pelo divertimento, sem negligenciar as possibilidade didáticas e lúdicas do suplemento.

O Folhetim deve conservar o caráter ensaístico, polêmico e de alta definição, preocupado com os temas que interessam à comunidade universitária e ao público leigo com afinidades intelectuais.

Leia também:

Outros projetos
1981 - A Folha e alguns passos que é preciso dar
1984 - A Folha depois da campanha diretas-já
1985 - Novos rumos
1986 - A Folha em busca da excelência
1988 - A hora das reformas
1997 - Caos da informação exige jornalismo mais seletivo, qualificado e didático

 

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