Universidade na Espanha ensina pais a criar os filhos
É
dito (e muito bem constatado) que filho vem sem manual de
instruções. Mas não dá mais para
argumentar que não existe escola que ensine a ser pai
ou mãe. Pelo menos na Espanha, onde se oferecem aulas
para pais na recém-criada Universidad de Padres, coordenada
pelo filósofo espanhol José Antonio Marina.
A universidade, inicialmente on-line, pretende oferecer aos
pais aulas fundamentadas em princípios da psicologia
e da pedagogia. "Queremos ajudar os pais a elaborar seu
projeto educativo de família, porque cada uma se movimenta
de uma forma muito específica", disse Marina à
Folha.
Cerca de 500 pessoas já se inscreveram no curso, que
é gratuito e tem dez meses de duração.
A primeira fase de matrículas, já encerrada,
foi limitada para pais com filhos de até seis anos.
O formato do projeto é
inédito; outras iniciativas oferecem palestras, mas
não acompanham todo o processo educativo das crianças.
Em maio, serão abertas inscrições para
pais de crianças de até dez anos -pessoas de
todo o mundo podem se matricular, desde que consigam se comunicar
em espanhol.
Marina, também especialista em educação,
observa que os pais buscam informações mais
específicas sobre como educar os filhos e, muitas vezes,
ficam perdidos com as diferentes propostas educativas e com
a separação existente entre a família
e a escola.
Isso explica, para ele, a relevância de ensinar os adultos
a educar seus filhos.
"O mundo todo reconhece a utilidade das escolas para
pais, mas não se havia descoberto uma forma de colocá-las
em prática. As novas tecnologias nos permitem aproximar
[dos pais] de maneira que as atividades da universidade sejam
compatíveis com os horários sobrecarregados
dos pais", comentou Marina.
O formato do projeto é inédito. Outras iniciativas
de escolas para pais, inclusive no Brasil, oferecem palestras
e grupos de discussão, mas não acompanham todo
o processo educativo das crianças ou não são
organizadas por profissionais.
A proposta da universidade espanhola é monitorar os
pais desde o último trimestre da gravidez até
os 16 anos da criança.
Curso Ao longo do período, o aluno é orientado
por um tutor, que prepara atividades e tarefas de casa, faz
avaliações, dá notas e auxilia nos problemas
e nas dúvidas, tudo isso para que os pais consigam
transmitir aos filhos o que é chamado de recurso educativo.
"São as capacidades intelectuais, afetivas e éticas
com que a criança vai contar para enfrentar a realidade,
seus problemas e as decisões que tomará ao longo
da vida. Todos os pais querem deixar recursos econômicos
aos filhos, mas deixar um "capital educativo" é
importante da mesma forma", explicou Marina.
O estudante precisa se comprometer com o programa indicado:
quem não participa ou não executa os trabalhos
tem a matrícula cancelada. Os pais também podem
trocar experiências por meio de fóruns de discussão
promovidos pela instituição.
O próximo passo, disse Marina, é formar grupos
nas escolas das crianças para que elas organizem encontros
e os pais possam participar de aulas presenciais.
As famílias, em grande parte dos casos, não
sabem o que esperar de cada fase da vida da criança,
e um curso como o da Universidad de Padres ajuda, afirma a
psicóloga Belinda Mandelbaum, coordenadora do Laboratório
de Estudos da Família, Relações de Gênero
e Sexualidade da USP (Universidade de São Paulo).
"É uma ação pertinente. Toda a psicologia
do desenvolvimento trouxe questões importantes que
devem ser compartilhadas com a comunidade. Não para
oferecer um "manual", porque isso é uma furada,
e sim para ampliar a consciência dos pais, seja do que
é educar, seja da realidade em que as crianças
vivem, seja para promover um debate sobre o mundo que é
apresentado para a criança", diz.
Experiências brasileiras
No Brasil, alguns grupos desenvolvem cursos de curta duração
para orientar as famílias. A Escola de Pais do Brasil,
criada por religiosos católicos em 1963 com base nas
escolas de pais da França, oferece cursos gratuitos,
formados por dez encontros de uma hora e meia.
Os palestrantes, presentes em cem cidades brasileiras, são
voluntários treinados pela própria organização,
sem especialização em educação,
que vão a escolas, empresas, condomínios ou
aonde forem solicitados.
"Por ano, cerca de mil pessoas passam pelos cursos em
todo o país. A preferência é que pai e
mãe participem juntos, mas, hoje em dia, vai somente
a mulher ou o marido ou, ainda, a avó que tem a responsabilidade
de cuidar da criança", diz Ronald Affonso Silva,
diretor administrativo da organização.
Trabalho semelhante é desenvolvido pelo Núcleo
de Análise do Comportamento da UFPR (Universidade Federal
do Paraná). São oito encontros com duração
de duas horas, ministrados por especialistas da universidade.
"Essa é uma questão que aparece com frequência
na literatura internacional. Propõe-se fazer a escola
de pais, mas com profissionais especializados. Não
vamos ensinar ética nem valores, direcionar a mesada
ou o número de banhos por dia. Falamos de princípios
do comportamento, por exemplo. Funciona para pais de crianças
com até dez anos", diz a psicóloga Lídia
Weber, professora do Departamento de Psicologia da UFPR.
Nas reuniões, os profissionais falam de temas gerais,
que podem ser extrapolados para a maioria das famílias,
como princípios de aprendizagem, relacionamento afetivo
com o filho, como agir quando o comportamento é adequado
ou inadequado, entre outros temas.
Clima conjugal negativo, hostilidade, ausência de regras
e falta de afeto são comportamentos ruins para o desenvolvimento
e são frequentemente questionados nos cursos. "Os
pais não se atualizam e esperam que a escola resolva.
E o maior problema não é os pais ficarem mais
tempo fora de casa. Fizemos uma pesquisa, e as donas-de-casa
apareceram como as piores em práticas educativas",
afirma Weber.
Para a psicóloga, os cursos para pais não devem
envolver interesses religiosos nem políticos para que
sejam eficientes no processo educativo.
Filhos só valorizam os pais
a partir dos 22 anos
A velha máxima de que só
se dá valor aos pais quando se tem filhos não
é totalmente verdadeira, a julgar pelos resultados
de um levantamento realizado na Grã-Bretanha com 5.000
famílias.
Em média, somente quando os filhos completam 22 anos
começam de fato a valorizar seus pais, constatou a
empresa de pesquisa de mercado One Poll. Nessa idade, os filhos
já saíram de casa para estudar, começaram
a trabalhar ou, em alguns casos, até se tornaram pais.
Um quarto dos entrevistados disseram que sair de casa foi
um choque, e mais da metade afirmou que sentiu falta da proteção
paterna. Cerca de 17% disseram que foi preciso entrar na universidade
para passar a valorizar o apoio recebido dos pais.
Mais da metade das pessoas ouvidas disseram que sentiram mais
respeito por seus pais depois de terem passado meses em claro,
cuidando de seus próprios filhos e aprendendo a ser
bons pais.
Outra conclusão do estudo é que as mulheres
começam a escutar os conselhos do pai e da mãe
sobre seus filhos, em média, aos 27 anos de idade.
Com os homens, isso ocorre mais tarde, aos 29.
Reconhecimento
Ao sair de casa, começar a trabalhar ou ter filhos,
jovens passam a valorizar seus pais