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25/05/2007
Carta da semana


Visita cívica ao Palácio do Planalto

 

“Três dias por semana o lugar de trabalho do presidente da República recebe uma escola do Distrito Federal para um breve passeio pelos andares do prédio mais inacessível do executivo. Algumas escolas aguardam mais de dois anos para viverem esse dia. É o caso da escola Classe do Jardim Botânico que, em uma inesquecível quinta-feira de maio, foi presenteada com o convite. O chamado “Programa de visitação no Palácio”, é organizado pela Coordenação de Relações Públicas e tem uma intenção cívica.

Quem nunca acompanhou a vista pode se impressionar com as explicações sobre o roteiro do passeio. Afinal, trata-se de um Palácio repleto de história e de obras de arte, mas o recado “cívico” é uma decepção. Depois de fazer uma vistoria na escola agendada, os organizadores enviam um ônibus que busca as crianças. Nem todos da escola podem entrar nele, e a tarefa difícil dos professores é decidir quais serão os felizardos, no máximo 46. Geralmente o critério é por sorteio e com a Escola Classe Jardim Botânico não foi diferente.

Ao chegar na porta de um dos anexos do palácio os 32 estudantes escolhidos, todos da 4ª série, estavam muito orgulhosos de terem sido sorteados. Eles são recebidos por uma guia que faz parte do Departamento de Relações Públicas do Palácio. É ela quem passa as primeiras instruções, logo na garagem, entrada dos fundos. Algumas horas mais tarde, eles aprenderão que o Palácio só recebe pela frente pessoas muito importantes para a República, como chefes de Estado de outros países. Mesmo assim, para todos eles, esse é um momento honrado, mas para ela essa é apenas mais uma parte de sua rotina tediosa.

E o tédio fica visível a cada parada. A qualquer passo em falso as crianças ouvem um sermão enorme e são ameaçadas com a mais temível das ameaças: “Acho que vocês estão querendo voltar para a escola”, alerta a guia. A visita começa pelo anexo III e segue em direção ao anexo II. Lá as crianças que estão rigidamente organizadas em duas fileiras, a de menino e a de menina, param e ouvem uma pergunta: “Alguém sabe quem é o vice-presidente da República?”. Depois de alguns segundos de silêncio, um corajoso arrisca: “É o Alencar?”. A réplica é fria: “Não, é o José Alencar e ele trabalha aqui nesse anexo, portanto, façam silêncio!”.

Muito ansiosos, os alunos passam por cada centímetro do Palácio do Planalto admirados e às vezes desarrumam a fila cochichando entre si, falha imperdoável para a RP, que pára tudo e dá uma bronca federal: “Hello! A gente não é bicho, então a gente dirige”, é a frase mais repetida por ela durante as duas horas de apresentação do interior da casa.

Logo no inicio da visita, as crianças são levadas para o restaurante do anexo IV, onde encontram uma mesa atraente, mas, antes que alguém se mexa mais uma recomendação: “Vocês fazem a oração e agradecem pelo pão na casa de vocês?”. Todos sinalizam que sim. “Então quem vai agradecer agora?”. Como ninguém se habilita ela mesma o faz, mas exige que todos repitam frase por frase. Quando o cronômetro indica que é hora de continuar o passeio, um menino pede mais um chocolate. A guia, sempre apressada, prefere mentir dizendo que acabou. Tentando despistar o fato de que a mesa ao lado ainda oferecia um estoque generoso. Agora, eles são ordenados a baterem palmas para os cozinheiros e se retirarem com reverência.

Passada a hora do lanche, é chegada a hora de ir ao banheiro. E apesar de alguns sapos engolidos, (por exemplo, a explicação de como se abre a torneira e como se usa o papel higiênico), essa não será a parte mais constrangedora do passeio. Adiante, todos seguem por um túnel que liga o anexo IV ao Palácio. Finalmente, no térreo três manequins são apresentados às crianças: o do Batalhão da Guarda Presidencial, o da Bateria Histórica de Caiena e o do Dragão da Independência. Em seguida uma parada rápida em frente ao comitê de imprensa para uma ligeira aula sobre o significado de imprensa, algo que tem a ver com “fotógrafos, microfones e câmeras”.

No segundo andar, uma pausa para a foto. No mesmo lugar onde o presidente costuma receber a imprensa para coletivas, em frente a uma grande tela assinada por Burle Marx. Minutos depois, uma parada mais esticada em frente à cobiçada rampa. Sentados no chão, os alunos são apresentados a um dos tipos de guardas que viram nos manequins do térreo do Palácio. São os Dragões da Independência, mas eles permanecem de costas. Uma pergunta curiosa: “Eles não podem se mexer nunca?” Pela primeira vez, a resposta vem mansa: “Podem, podem sim. Mas eles só fazem isso por comandos militares”. E segue-se mais um pouco da aula cívica sobre a República e seus três poderes.

A subida para o terceiro andar é o limite da visita. No quarto andar funciona a Casa Civil. Mas, lá as crianças não serão bem-vindas. Depois de passarem por mais uma obra de arte e mais um “móvel do século XVIII”, as crianças entram na chamada “sala oval”, onde o presidente costuma reunir os ministros. Estrategicamente afastados da mesa oval, os alunos passam por uma aulinha sobre a importância dos ministérios. Uma menina pede para tocar a cadeira do presidente. A guia nega. A menina insiste e a professora interrompe envergonhada. Mas, ela pede novamente: “È rapidinho, eu só queria tocar”. E consegue comover a guia: “Mas é só você. Vai lá e não senta, por favor”.

A menina volta emocionada e, para a surpresa de todos, chora de felicidade. Mas, não é hora para comoções e depois de checar se está tudo bem com a menina que tocou a cadeira do presidente, a guia segue com as duas filas para um corredor onde o presidente está presente em audiência, à portas cerradas. No mesmo corredor estão: o cerimonial, a secretaria de relações institucionais, a sala do próprio presidente e de outras pessoas que trabalham diretamente com ele. O final do corredor é também onde acaba a visita para alívio da impaciente guia. A última aula é sobre o famoso quadro “O grito da independência”. Segundo ela, uma grande figura, D. Pedro I que deu o grito mais importante do Brasil.

É triste para o país saber que aquelas crianças saem dali muito felizes. Elas não se sentem ofendidas com as broncas que receberam no Palácio porque a educação que receberam não é uma educação para a liberdade, mas uma educação para a subordinação, em outras palavras uma educação cívica. É trágico saber que elas guardarão na memória a imagem do quadro como uma fotografia real. Mal sabem que o grito é uma metáfora dos historiadores. Mais trágico para a civilidade brasileira é que dificilmente saberão. Nem na aula de artes, nem na de história brasileira. E talvez nunca.”
Alaise Beserra

CIDADÃO JORNALISTA é um espaço destinado aos leitores e ouvintes que ao relatarem fatos e experiências de sua cidade, comunidade e cotidiano, tornam-se repórteres por um momento.

 
 

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