Aflita, Maria Bonomi perguntou
à mãe por quanto tempo ficaria fora da Itália,
onde a família enfrentava problemas políticos.
Nunca mais se esqueceria do choque da resposta curta e direta.
"Para sempre", disse a mãe, enquanto, entristecida,
arrumava as roupas.
Chegar a São Paulo, em 1946, significou para aquela
menina de 11 anos fugida da Europa, através da Suíça
com uma parada no Rio, a certeza de que o caminho não
tinha volta. "Eu sabia que era para sempre." Ela
consegue rememorar detalhes de sua chegada, quando, atenta
ao movimento da estação, quase todas as pessoas
usando chapéu, achou estranha a ordem de seu avô
-um homem que levou a sério a idéia de ficar
para sempre não numa cidade, mas na história
de um país.
Lembra-se de que, ao pegar o carro, seu avô Giuseppe
Martinelli, que vivia havia muito tempo no Brasil, ordenou
ao motorista: "Não passe perto do edifício
Martinelli". Não queria se aborrecer. Ele erguera
o primeiro arranha-céu de São Paulo; era tão
grande que muita gente achava que desabaria. Para desfazer
as dúvidas, decidiu morar no último andar de
sua construção. O edifício sobreviveu,
mas ele desabou: perdeu dinheiro e, com as dívidas,
deixou apenas o sobrenome em sua maior obra.
Pelas portas da estação da Luz, a cidade de
São Paulo entrou na vida de Maria Bonomi como na dos
milhões de imigrantes, todos, a exemplo de seu avô,
querendo construir alguma coisa e decididos a viver para sempre
na cidade. "Aquele espaço sempre transmitiu a
mim a sensação do medo e da descoberta",
conta ela, que iria transformar-se, a partir da década
de 50, numa das referências brasileiras nas artes plásticas.
Percorreu o mundo, estudou em vários lugares, mas o
Brasil seria o seu lugar para sempre.
Ela foi convidada, no final do ano passado, a voltar à
estação da Luz para fazer um painel que contasse
um pouco da história e da emoção daquele
lugar. Inaugurado no início deste mês, o painel
de 73 metros de comprimento mescla referências ao café
com referências aos povos árabe, judeu, italiano,
espanhol e nordestino, que chegaram, como ela, por aquela
porta.
Com esse painel, a menina italiana, ficou "para sempre"
na estação que a recebeu.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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