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REFLEXÃO


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urbanidade
11/01/2006
Entre Paris e São Paulo

No domingo passado, Helena Angotti observava, consternada, como a seiva vermelha que escorria da árvore parecia ter a cor de sangue. Em torno do exemplar de uma tipuana, arrancado de manhã pela prefeitura, na al. Casa Branca, nos Jardins, homens, mulheres, velhos e crianças, despertados pela serra elétrica, exibiam uma feição de desolação e raiva. "A semelhança com o sangue só reforçava a sensação de que tinham acabado de matar um ser vivo", relata Helena, para quem aquela destruição era uma aula prática sobre São Paulo.

Por oito anos, Helena viveu em Paris, onde se especializou em história da arquitetura e de urbanismo. A paisagem parisiense servia-lhe simultaneamente de objeto de estudo e fonte de diversão. Seu maior prazer era passear pelas ruas, com suas calçadas largas e árvores bem cuidadas. "Cada árvore era acompanhada, durante todo o ano, para que não ficasse doente."

Se Paris prestava-se a Helena como modelo de cidade planejada e preservada, São Paulo, onde vive atualmente, é um laboratório de caos urbano. "Sentimos aqui, em cada esquina, o que significa a ausência de planejamento e as visões de curto prazo." Falta de planejamento se vê, entre outras coisas, no cipoal de fios elétricos e telefônicos pendurados nos postes. Por causa dessa fiação, cujo efeito imediato é a poluição visual, as árvores não podem crescer e são podadas, muitas vezes, sem critérios técnicos. É um crime, segundo ela, podas no verão, quando as árvores estão em sua plena força.

Poucos dias antes da derrubada da tipuana, Helena já estava inconformada. Muitas das árvores dos Jardins, nas vésperas do Ano Novo, foram decepadas drasticamente, sem cuidado. "Isso é feito apenas para proteger os fios." Ficou mais indignada com a cena que viu no domingo de manhã. A prefeitura explica que aquela árvore da al. Casa Branca estaria irremediavelmente doente e, portanto, deveria ser arrancada. O problema, segundo ela, é que o poder público não cuida das árvores, que vão ficando cada vez mais vulneráveis.

A "aula" da tipuana teve uma conseqüência prática. Helena decidiu ir além das observações acadêmicas sobre urbanismo e dos protestos isolados: pretende ajudar a comunidade dos Jardins a se organizar para proteger a natureza. Pelo menos nesse gesto, o desastre da alameda Casa Branca teve mais resultado do que o prazer das ruas de Paris.

A Coluna foi originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

Leia a opinião de Helena Angotti

   
 
 
 

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