No domingo passado, Helena Angotti
observava, consternada, como a seiva vermelha que escorria
da árvore parecia ter a cor de sangue. Em torno do exemplar
de uma tipuana, arrancado de manhã pela prefeitura, na al.
Casa Branca, nos Jardins, homens, mulheres, velhos e crianças,
despertados pela serra elétrica, exibiam uma feição de desolação
e raiva. "A semelhança com o sangue só reforçava a sensação
de que tinham acabado de matar um ser vivo", relata Helena,
para quem aquela destruição era uma aula prática sobre São
Paulo.
Por oito anos, Helena viveu em Paris, onde se especializou
em história da arquitetura e de urbanismo. A paisagem parisiense
servia-lhe simultaneamente de objeto de estudo e fonte de
diversão. Seu maior prazer era passear pelas ruas, com suas
calçadas largas e árvores bem cuidadas. "Cada árvore era acompanhada,
durante todo o ano, para que não ficasse doente."
Se Paris prestava-se a Helena como modelo de cidade planejada
e preservada, São Paulo, onde vive atualmente, é um laboratório
de caos urbano. "Sentimos aqui, em cada esquina, o que significa
a ausência de planejamento e as visões de curto prazo." Falta
de planejamento se vê, entre outras coisas, no cipoal de fios
elétricos e telefônicos pendurados nos postes. Por causa dessa
fiação, cujo efeito imediato é a poluição visual, as árvores
não podem crescer e são podadas, muitas vezes, sem critérios
técnicos. É um crime, segundo ela, podas no verão, quando
as árvores estão em sua plena força.
Poucos dias antes da derrubada da tipuana, Helena já estava
inconformada. Muitas das árvores dos Jardins, nas vésperas
do Ano Novo, foram decepadas drasticamente, sem cuidado. "Isso
é feito apenas para proteger os fios." Ficou mais indignada
com a cena que viu no domingo de manhã. A prefeitura explica
que aquela árvore da al. Casa Branca estaria irremediavelmente
doente e, portanto, deveria ser arrancada. O problema, segundo
ela, é que o poder público não cuida das árvores, que vão
ficando cada vez mais vulneráveis.
A "aula" da tipuana teve uma conseqüência prática. Helena
decidiu ir além das observações acadêmicas sobre urbanismo
e dos protestos isolados: pretende ajudar a comunidade dos
Jardins a se organizar para proteger a natureza. Pelo menos
nesse gesto, o desastre da alameda Casa Branca teve mais resultado
do que o prazer das ruas de Paris.
A Coluna foi originalmente publicada
na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
Leia a opinião de Helena Angotti
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