REFLEXÃO


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urbanidade
15/08/2007

Love story

O exotismo rendeu a Hector uma fonte de renda; ele se tornou um misto de paisagista com astrólogo


Apaixonado pelo cultivo de plantas, o físico cubano Hector Othon acabou morando dentro de um viveiro. Inicialmente a área de plantio se limitava ao jardim de sua casa, no Butantã, mas as 500 espécies, muitas delas medicinais, foram se espalhando e invadindo os quartos, banheiros, corredores e cozinha. Atualmente, naquele misto de casa e viveiro, ele produz um rastro verde pela cidade de São Paulo.

Há 15 anos, Hector espalha mudas e sementes pelas praças e canteiros dos mais diferentes bairros. Depois, se distrai fazendo passeios a pé para conferir sua obra anônima, disseminada em lugares como a praça do Pôr-do-Sol, a avenida Sumaré ou até num minúsculo canteiro em frente ao Anhangabaú. "Esse hobby é uma coisa instintiva que me faz bem."

Hector conheceu pela primeira vez o Brasil em 1982, quando participou de um congresso internacional de física. O que lhe interessou de fato não foram as exposições sobre teorias quânticas, mas uma atriz por quem se apaixonou. Retornou a Havana, mas quatro meses depois já estava de volta, por causa de um duplo caso de amor à primeira vista. Pelo Brasil e pela mulher. "Não penso mais em voltar, com ou sem Fidel."

Além de abandonar o país, ele deixou também a física. Dedicou-se aos estudos de áreas aparentemente sem nenhuma conexão como astrologia e agricultura. Mas, com o tempo, fez-se, para ele, a conexão. No Brasil, desenvolveu uma visão mística em relação à natureza, o que, para ele, tinha raízes na infância. Quando era criança, acompanhava a mãe, Obília Gomes, que costumava rezar à sombra de uma paineira, convencida de que, ali, se entrava em contato com a espiritualidade. "Foi aí, provavelmente, que comecei a acreditar nos poderes exóticos das plantas."

O exotismo rendeu-lhe uma fonte de renda. Hector faz mapas astrais e recomenda plantas que teriam supostamente mais a ver com cada indivíduo, com base na data de aniversário. Tornou-se, então, um misto de paisagista com astrólogo. "Acredito mesmo que as plantas influenciam o estado das pessoas."

Essa terapia ecológica que, de certa forma, Hector aplica na cidade, ao espalhar suas sementes, agora é beneficiada pelas redes virtuais. Seu caso de amor por Havana foi trocado por São Paulo. Descobriu na internet uma confraria virtual de indivíduos que, como ele, têm a paixão pelo cultivo de plantas e se dispõem, pelo correio, a trocar sementes. "É como se tivéssemos criado um imenso viveiro."

Com a rede verde, ele ganhou um estoque de sementes de cedro. Muitas usada para produzir santos, essa madeira, segundo Hector, inspira sobriedade e equilíbrio. Vai plantá-la numa pequena praça no centro da cidade, bem em frente ao edifício Copan. Será um bom teste para medir os efeitos supostos cósmicos daquela árvore. Bem à sua frente, está a Love Story, um das referências do underground sexual paulistano.


Veja as fotos do viveiro:
foto 1
foto 2
foto 3
foto 4
foto 5

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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