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REFLEXÃO


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urbanidade
20/12/2006
Uma grande jogada no Pacaembu

O visitante do museu entrará, por exemplo, numa sala que reproduzirá o Maracanã quando Pelé fez o milésimo gol


Formado em arquitetura pela USP, Mauro Munhoz preparou um projeto urbanístico destinado a revitalizar Paraty. Não deu certo. O fracasso arquitetônico, porém, serviu de inspiração para um dos maiores sucessos culturais do país. Em meio aos debates sobre urbanismo, resolveu-se realizar, naquela cidade, uma festa literária internacional (Flip). "Não podíamos avaliar como esse encontro iria acabar marcando Paraty, muito mais do que uma ação urbanística." Neste momento, ele está envolvido numa obra capaz de remodelar um trecho histórico de São Paulo, usando, em vez da literatura, o futebol.

Mauro Munhoz faz parte de uma equipe que vem preparando o Museu do Futebol, previsto para ser inaugurado, no estádio do Pacaembu, em 2008 -os recursos virão da iniciativa privada em parceria com a prefeitura. Será seguido o modelo do Museu da Língua Portuguesa, na região da Luz, priorizando tecnologia da interatividade. Um visitante entrará, por exemplo, numa sala que reproduzirá o Maracanã na noite em que Pelé fez o milésimo gol -ele, então, terá na sua frente, além do goleiro virtual do Vasco, uma bola para ser chutada. "Só que o visitante corre o risco de perder o gol", conta Mauro, sobrevivente de uma geração de paulistanos que jogavam futebol na rua, em meio a pacientes motoristas.

Toda vez que passa na rua em que morava, nos Jardins, e vê os carros estacionados, ele reflete sobre o desaparecimento da São Paulo em que as crianças brincavam, despreocupadas, na frente de casa. "Os espaços foram sendo, ano a ano, mais dominados pelo medo e pelos automóveis, justificando a arquitetura dos condomínios."

Um dos exemplos dessa doença urbana está exatamente na frente do futuro Museu do Futebol -a praça Charles Miller, que de praça nada tem, afinal presta-se, na maior parte do tempo, como estacionamento.

Contrariando as primeiras sugestões sobre onde deveria se instalar o museu, Munhoz defendeu -e venceu- a idéia de que deveriam ser ocupadas as áreas logo na entrada do estádio, exigindo pequenas intervenções. Nem poderiam ser grandes intervenções; o Pacaembu é tombado pelo patrimônio histórico.

A tentação para qualquer arquiteto que valorize a convivência entre os moradores de uma cidade -isso significa mais espaço para pedestres e menos para os automóveis- seria mesmo fazer da praça-estacionamento uma praça de verdade, unificada ao Museu do Futebol. O virtual do museu viria com uma experiência presencial. Não é uma costura fácil. Os moradores da região, especialmente os de Higienópolis, brigam com a Faap por causa do excesso de carros dos seus alunos. "Acredito que todos sairiam ganhando com a recuperação dessa área. O que se pretende é que, com o museu, o estádio receba visitantes todo dia."

Munhoz aposta que, assim como a literatura teve impacto na vida de Paraty, a cultura do futebol iria modificar a paisagem humana e urbana daquele trecho de São Paulo -mais uma das zonas de apartheid social. Um dos sinais de apartheid aparece no próprio clube do estádio do Pacaembu, que, apesar de gratuito e com todos os equipamentos esportivos, é muito mais freqüentado por ricos que por pobres -assim como a praça Charles Miller, transformada em estacionamento de estudante.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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