REFLEXÃO


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urbanidade
23/09/2009

Delírios fotográficos

Projeto de João Quesado de fechar a Paulista e criar uma "ciclovia fotográfica" ficou ontem novamente no papel

O migrante João Quesado, nascido em Serrita, próximo de Exu (PE), cultiva desde 2005 o projeto de fechar parte da avenida Paulista e criar uma "ciclovia fotográfica". A data deveria ser 22 de setembro, quando se comemora o Dia Sem Carro. "Nem que seja por 30 minutos", conta. Seria o auge da visibilidade de seu misto de hobby com protesto: fotografar bicicletas em suas viagens. Chegou até a encomendar um esboço da intervenção para arquitetos.

Mas ainda não reuniu forças para tomar parte da rua. No Dia Sem Carro comemorado ontem, a ideia ficou, mais uma vez, no papel. Mas não desistiu: "Sei que seria expulso, mas valeria a pena."

A ideia é fazer painéis, espalhados na rua, com centenas de suas fotos de bicicleta. "Seria esse o meu jeito de protestar por uma cidade mais civilizada."

Quesado sentiu na pele a agressividade das ruas, com seus impacientes carros. Quando chegou a São Paulo, estava com 36 anos e tinha o sonho de ser fotógrafo profissional.

Para sobreviver, entregava panfleto no semáforo, algumas vezes fantasiado de Chaplin e Michael Jackson. Tentou até se locomover de bicicleta. Menos por questões ambientais do que por falta de dinheiro. Naqueles tempos, morava de favor com um grupo de teatro de rua que, por sua vez, invadira um imóvel abandonado. Quase uma tragédia. Ele se acidentou e acabou internado no hospital. A internação foi uma das inspirações que teve para defender as bicicletas.
Ironicamente, ele começou a realizar seu sonho profissional graças ao automóvel.

Conseguiu uma vaga de assistente de Du Ribeiro, fotógrafo publicitário especializado em automóveis. Sua paixão pelo design automobilístico o levou a produzir ensaios de arte sobre os antigos modelos americanos que rodam por Havana e, em breve, serão transformados em livro. "Era minha chance", conta Quesado, que, no primeiro dia de trabalho como assistente, se dispôs a simplesmente lavar os carros.

Du logo percebeu talento em seu assistente, com quem iria trabalhar por 16 anos. "Ele tinha uma vontade enorme de aprender e de trabalhar", lembra o publicitário. Quesado acabou seguindo carreira solo e ganhando seus próprios clientes, inclusive fotografou automóveis.

A prosperidade levou-o a conhecer diversas cidades do mundo, como Paris, Nova York, Barcelona, Amsterdã, Berlim, Veneza, Florença e outras, no interior brasileiro. Mudavam as paisagens, mas a bicicleta era seu foco obrigatório.

Fechar a Paulista pode parecer um delírio. Mas, quando deixou o Nordeste, com pouco estudo, quase nenhum dinheiro e uma família com 11 filhos, também lhe disseram que ser fotógrafo profissional em São Paulo era um delírio tão delirante como ficar num sinal fantasiado de Charles Chaplin.

PS- Enquanto a ciclofaixa fotográfica não sai, coloquei neste link uma coleção das imagens das bicicletas. Pegando uma carona, coloquei também algumas fotos do ensaio de Du Ribeiro em Cuba, que vai virar livro.


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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