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rádio comunitária
15/08/2005
“Rádio Heliópolis, a rádio verdadeiramente comunitária”*

Carolina Lopes

Como praticamente toda rádio comunitária, a Rádio Heliópolis, veículo de comunicação da maior favela do país, nasceu da idéia de dialogar com a comunidade. Seus idealizadores queriam tirar os moradores da favela da passividade e os tornarem atores na transformação de sua realidade. “A gente queria era puxar a orelha do povo, dizer que eles têm direitos, mas também têm deveres. Sem saber estávamos montando uma rádio comunitária”, conta Gerô, coordenador geral e locutor da rádio.

A dimensão que essa idéia tomou, tornando-se hoje uma referência de rádio comunitária no Brasil, só foi possível por conta de um enorme esforço dos participantes e de muita fé. Sim, fé, na transformação, que, segundo explicação de Gerô, é ainda requisito fundamental para participar desse projeto; assim como ser residente da favela. “A gente sabia que não adiantava botar um locutor famoso na rádio, que entendesse de técnica, mas não entendesse a nossa realidade, que não tivesse a nossa linguagem. Nós sabíamos falar com a favela, coisa que ninguém que está fora daqui saberia fazer”, conta o entusiasta da rádio que hoje cursa o terceiro ano de jornalismo da Faculdade São Marcos para aprimorar o veículo.

Quando nasceu, em 1992, era só uma cabinezinha de onde eram emitidos os sons que ecoariam aos 120 mil habitantes da favela através de cornetas instaladas improvisadamente nos postes do bairro. Foram telefonemas e mais telefonemas reclamando que a rádio não era ouvida em suas casas que os organizadores da rádio notaram a receptividade do veículo. Começaram então a investir em tecnologia.

O sucesso da rádio, para Gerô, se deve à diversidade da programação veiculada. “Aqui moram diversos públicos. De seguidor do Candomblé à fiel do evangelho. Criança, adulto, jovem, idoso. Gente que gosta de forró, Rap, música sertaneja. Criamos então uma programação para todo tipo de morador. Isso que entendemos que é comunitária”. Para não criar divergência de gostos e pensamentos eles repetem a velha fórmula: “Em futebol, política e religião a gente não se mete”, ri o coordenador, que garante transmitir informação isenta aos moradores, além de conseguir uma convivência harmônica entre os programas religiosos.

Além de uma programação que agrada a gregos e troianos, a rádio presta um efetivo serviço à comunidade. É reconhecida como um bem da favela, ou mesmo sua porta-voz. O que é claramente notado na relação que os moradores têm com a mesma: “Se a gente coloca um locutor que o povo não gosta, não vinga. Ligam na hora dizendo: Gerô, não estou gostando disso não”, conta.

A rádio parece ter espaço para tudo. São transmitidas informações da comunidade, da imprensa oficial, variado repertório musical, programas de fé, de opinião, educativos, campanhas locais (em geral para mobilizar a comunidade em prol de alguém que esteja passando por qualquer tipo de dificuldade ou mesmo para ações maiores como a reconstrução de uma favela vizinha que pegara fogo), e é utilizada até para passar recados. “Uma vez chegou uma senhora em Heliópolis procurando sua filha. Como não lembrava onde era a casa dela veio para a rádio. A gente começou a divulgar o nome da filha na rádio e em menos de meia hora ela estava aqui na porta com o irmão procurando a mãe”, lembra Gerô, contando histórias recorrentes em que a rádio dialoga com as pessoas da favela.

De rádio poste a freqüência modulada (FM) a rádio passou por diversas dificuldades. Mas, com o apoio de patrocinadores que acreditam no projeto, é que hoje possuem uma antena bem localizada, um transmissor, um computador “faz-tudo”, uma sede, além de terem passado por cursos de capacitação que profissionalizaram o trabalho dos 32 colaboradores voluntários da rádio.

A Faculdade de Saúde Pública contribui na conscientização da população sobre diversos tipos de doenças, como evitá-las, como tratá-las. A Rádio Oficina, que promove cursos pagos na área, capacitou os locutores gratuitamente. A Oboré, empresa de comunicação popular e principal parceira da rádio, tem contribuído com a articulação com diversos grupos que a rádio se relaciona, o que tem a impulsionado, entre outras parcerias.

A Oboré também tem sido fundamental na garantia da existência da rádio tanto juridicamente como economicamente. Isso porque a conquista da sanção da Lei 14.013, que toca num ponto financeiro crucial da rádio - a questão do apoio cultural (comerciais) -, contou com a contribuição da empresa, que encampou a luta na cidade de São Paulo com apoio de diversos setores. Para qualquer veículo é bastante difícil se manter sem o dinheiro da venda de espaço comercial. Antes da Lei era proibido que rádios comunitárias veiculassem comerciais em sua programação. Agora a realidade do veículo é de maiores perspectivas. “Entendemos que essa era uma forma de esmagar as rádios comunitárias, que se tornam economicamente inviáveis”, reflete Gerô. Além do obstáculo legislativo a rádio não tem aparelhagem profissional para produzir boas vinhetas comerciais. O “estúdio” da rádio não tem nem impermeabilização acústica.

Mas juridicamente a rádio ainda enfrenta sérias dificuldades. No início desse ano receberam uma carta da Anatel informando que a rádio sairia do ar. Provisoriamente a rádio não foi fechada por conta de uma grande articulação política. O Itaú Cultural, um dos parceiros do veículo, produziu um documentário sobre a rádio que foi enviado para Brasília e defendido por políticos como Chico Macena (PT), Soninha (PT), Carlos Néder (PT), Ricardo Montoro (PSDB) e Beto Custódio (PT), historicamente ligados à luta pela normatização da situação das rádios comunitárias.

Mas para regulamentar a rádio de vez e tirá-la da marginalidade, seus responsáveis acabam de fazer um levantamento de toda a documentação exigida pelo Ministério das Comunicações para o funcionamento, e enviada há duas semanas para Brasília. Estão agora à espera de aprovação.

Unidade de Núcleos Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis (UNAS)
A UNAS é a associação da favela de Heliópolis que congrega uma série de entidades locais. Nascida na década de 70, ela é hoje o órgão mais atuante da região. A rádio Heliópolis é um dos projetos idealizados e realizados pela entidade, que possui diversos outros trabalhos na área social. São eles: lavanderia comunitária, Núcleos Sócio-educativos, creches, telecentros, atendimento Jurídico, programas de educação, alimentação, saúde, esporte, geração de renda e projetos habitacionais. Funciona com o apoio de parcerias e é constituída por uma diretoria eleita pelos próprios moradores, conforme estatuto social.

Leia mais sobre a Unas

* - vinheta da Rádio.

 
 
 

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