HOME | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 
 

11/12/2007

Busca por mão-de-obra já cruza a fronteira

Pressionada pela escassez de mão-de-obra qualificada no Brasil, a Vale do Rio Doce prepara-se para buscar profissionais no exterior. A empresa fechou parceria internacional para mapear a disponibilidade de trabalhadores qualificados em dez países do Leste Europeu, além de Turquia e Filipinas. Com presença em mais de 30 países, a multinacional busca recursos humanos para atender suas demandas no Brasil e em outras partes do mundo.

"Estamos buscando fontes alternativas de mão-de-obra. Há demandas no Canadá (onde a Vale é dona da Inco, maior produtora mundial de níquel), na Indonésia, na Austrália. No Leste Europeu, há mão-de-obra educada, fluente em duas, três línguas", disse ao Valor Cíntia Magno, coordenadora de seleção de carreiras da Diretoria de Recursos Humanos da Vale.

Segundo o Ipea, há, em 2007, apenas na indústria extrativista mineral, déficit de 20,8 mil trabalhadores qualificados e com experiência - no total do país, a diferença entre oferta e demanda é de 193 mil. Além do setor de mineração, que inclui a indústria petrolífera, os mais carentes são os de química e petroquímica, produtos de transporte e mecânicos. A possível importação de mão-de-obra, tema polêmico em Brasília, é apenas uma das respostas da Vale à escassez de pessoal qualificado.

O investimento na formação de pessoal no mercado interno ainda é a principal estratégia da Vale e de outras companhias brasileiras. Em 2008, a Vale deverá contratar, apenas no mercado brasileiro, 7 mil novos funcionários. Do total, ela demanda pelo menos 500 engenheiros e 60 geólogos. É aí onde está a maior dificuldade.

A mineração viveu um boom no Brasil no início dos anos 70, mas, assim como a maioria dos outros setores, praticamente estagnou nas duas décadas seguintes. Durante esse recesso, os geólogos e engenheiros de minas envelheceram e os jovens perderam interesse nessas profissões. Além disso, a mineração, considerada nociva ao meio ambiente, perdeu visibilidade e apelo.

Em 2002, motivado pelo forte crescimento chinês, o setor tomou novo impulso. "O boom agora é mais agudo que o dos anos 70 e o Brasil entrou nele graças às reservas minerais", explica Paulo Camillo Penna, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Entre 2000 e 2006, o PIB mineral brasileiro cresceu 200%. O aquecimento do setor ocorre no momento em que profissionais do mercado estão se aposentando e a carência de mão-de-obra, especialmente nas áreas técnicas, é generalizada. "É um fenômeno mundial. A gente vê países desenvolvidos, em estágios mais avançados que o Brasil, como Austrália, EUA e Canadá, enfrentando o mesmo problema", afirma Cíntia.

Durante as décadas de 80 e 90, com a retração da economia, os engenheiros procuraram outras profissões. Uma boa parte foi parar na área de tesouraria dos bancos. O desinteresse pela profissão criou uma situação incômoda para o país: segundo dados levantados pela professora Virgínia Ciminelli, do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFMG, a proporção de engenheiros no Brasil é de cinco para cada mil trabalhadores, enquanto na média mundial varia de 15 a 25. Outro problema é a concentração de estudantes em engenharia civil - 45%, face a 14% nos EUA.

Uma idéia das dificuldades enfrentadas pela Vale está no banco de currículos que a empresa mantém na internet. Lá, mais de 400 mil pessoas se inscreveram à procura de uma oportunidade, mas, do total, menos de 5% são engenheiros. No caso dos geólogos, a proporção é ainda menor - apenas 0,1%. "A solução é formar, trazer pessoas para cá que tenham uma formação básica e investir na capacitação e especialização", ensina Cíntia. Segundo ela, em 2008, a Vale oferecerá 330 vagas em cursos de pós-graduação - em 2007, foram 300. Além disso, a empresa faz intercâmbio de especialistas com suas unidades no exterior e financia, para funcionários mais qualificados, cursos específicos, como o de economia minerária, na Escola de Minas de Paris.

A Vale não está sozinha. Há forte mobilização, tanto das empresas quanto das entidades que as representam e do Sistema S (Senai e Sesi), para enfrentar a ameaça da falta de mão-de-obra, que, no limite, pode frear a expansão da economia nos próximos anos. É uma corrida contra o tempo. Responsável por cerca de 90% do setor de gás e petróleo no país, a Petrobras planeja investir anualmente, entre 2008 e 2012, cerca de US$ 20 bilhões, 3,5 vezes o que investiu no período 2003-2007.

Com base na expansão dos investimentos, a estatal calcula que o setor de gás e petróleo necessita qualificar 112 mil profissionais até 2009. A tarefa está a cargo do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), criado em 2003 pelo governo a partir de uma provocação do presidente Lula: "Por que não fazer a plataforma P-52 no Brasil?". Diante do desafio, governo e Petrobras criaram o programa, voltado, segundo seu coordenador-executivo, José Renato Pereira de Oliveira, para a substituição competitiva de importações.

"Não basta sinalizar demanda que o mercado vai automaticamente suprir isso. Não vai", sustenta Oliveira, que é funcionário da Petrobras. "Temos gargalos importantes na área de pessoal. Faltam operadores de sonda de perfuração de produção, soldadores, inspetores, encarregados, engenheiros de todas as formações (elétrico, de produção, civil etc)."

O Prominp foi desenhado para capacitar 175 categorias profissionais, sendo 45 de nível superior, 78 de nível médio e 42 de básico, em 17 Estados. O coordenador-executivo explica que o público do programa não são apenas funcionários da Petrobras, mas principalmente de seus fornecedores e prestadores de serviços, além dos empregados das outras operadoras de petróleo. Como se trata de programa do governo federal, os cursos são gratuitos e os estudantes sem vínculo com as empresas têm direito a bolsa-auxílio mensal que vai de R$ 300 a R$ 900,00.

Graças à autorização especial da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que permitiu à Petrobras deduzir os investimentos da obrigatoriedade legal de aplicar, em pesquisa e desenvolvimento, 1% das receitas dos poços com participações especiais, a estatal gasta R$ 300 milhões com o Prominp. "Se não conseguirmos capacitar esses profissionais, não vamos conseguir fazer tudo o que programamos. Temos tido alguma dificuldade em achar pessoal qualificado, sim, mas ela será muito maior daqui em diante. Ainda não deixamos de tocar um projeto por falta de gente, mas estamos no limiar de ter que parar", reconhece Oliveira.

O Sistema S também se mobiliza para responder ao desafio da mão-de-obra. Segundo o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto, que também preside o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Serviço Social da Indústria (Sesi), as duas entidades aumentarão em 30%, no quadriênio 2007-2010, o número de matrículas de seus cursos. A meta é educar e treinar 16,2 milhões de trabalhadores e modernizar escolas e laboratórios. O investimento é de R$ 10,5 bilhões para os quatro anos, sendo que R$ 400 milhões para investimento em equipamentos podem ser antecipados pelo BNDES. O pedido já chegou ao BNDES e o presidente do banco, Luciano Coutinho, vê a solicitação com simpatia.

O que poucos sabem é que o Sesi e o Senai mantêm escolas de primeiro e segundo graus, destinadas a educar e a promover reforço pedagógico de trabalhadores. Das 16,2 milhões de vagas, 7,1 milhões estão no âmbito da educação básica e secundária. O restante diz respeito ao treinamento profissional , sendo que 8,6 milhões são para a formação inicial e continuada de trabalhadores, 482 mil para educação técnica de nível médio e 32.690 para o ensino superior.

"Os novos perfis profissionais têm como limitação, no processo de habilitação da mão-de-obra, o problema do nível baixo de escolaridade, de deficiência na educação básica. A economia está demandando gente com mais escolaridade e há um déficit nessa questão. Estamos diante de um quadro difícil", reconhece o presidente da CNI. "Nosso planejamento está sendo orientado pela medição da demanda. O programa é concebido da estrutura regional para a nacional, que consolida as metas."

Um exemplo é Pernambuco. O Estado vive um renascimento econômico, após décadas de estagnação. A construção de uma refinaria da Petrobras - possivelmente em parceria com a venezuelana PDVSA - motivou um grupo de construtoras a instalar um estaleiro no Estado. Em pouco tempo, descobriu-se que a região carece de técnicos de nível médio para trabalhar nas obras. Em resposta a isso, o Senai instalou um centro de tecnologia em soldagem e ampliou a unidade que dá suporte a Suape.

O movimento do Sistema S acontece num momento em que sua legitimidade voltou a ser questionada, especialmente a forma de financiamento - uma contribuição parafiscal que chega a 3,1% da folha de pessoal. Em geral, o empresariado reconhece sua importância. "O Senai é a principal fonte de qualificação profissional. É o que dá respostas mais imediatas", diz Nelson Pereira dos Reis, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria Química.

O ex-ministro do Trabalho Edward Amadeo desconfia tanto da eficácia do Sistema S quanto dos programas de qualificação do governo. Para o economista, hoje sócio da Gávea Investimentos, "o melhor treinamento é dado pela própria empresa, ainda mais quando se trata do treinamento para tarefas específicas. O que a empresa precisa é de trabalhadores que sabem aprender. Portanto, o melhor curso de ´qualificação profissional´ é o oferecido pelas instituições acadêmicas - escolas e faculdades -, que ensinam os trabalhadores a aprender".

Cristiano Romero
Valor Econômico.